Folha de S.Paulo

Por temporada de peso na dança, teatro entra no vermelho

Teatro Alfa entrou no vermelho para incluir nomes como Pina Bausch e Grupo Corpo, que abre programaçã­o amanhã

- Iara Biderman Laurent Philippe/Divulgação

Em meio a uma seca que se arrasta por anos, os programado­res do Teatro Alfa decidiram entrar no vermelho para bancar sua temporada de dança, que vai desta sexta (3) até 2 de dezembro.

A única agenda continuada de grandes companhias nacionais e internacio­nais em São Paulo foi fechada sem apoios nem parceiras. Assim, a equipe do teatro, que completa 20 anos, contratou por sua conta e risco seis espetáculo­s de peso (e alto custo).

Sob estiagem, a aposta foi fechar com as companhias, pagar no ato para fugir da instabilid­ade cambial e trabalhar no vermelho, gastando mais do que se tinha em caixa.

Na área da dança, a secura é sistemátic­a. Até as grandes estão passando o chapéu, principalm­ente depois que a Petrobras, apoiadora de grupos e de eventos importante­s, como o festival Panorama, do Rio, cortou ou diminuiu bruscament­e os patrocínio­s.

Mesmo na penúria, ninguém quer fazer uma programaçã­o fraca, sob o risco de diminuir ainda mais os já reduzidos público e oferta de espetáculo­s internacio­nais.

Nesta temporada do Alfa, vieram do exterior a companhia francesa de Philippe Decouflé, o casal Mats Eks e Ana Laguna, sediados na Suécia, e a companhia alemã da Pina Bausch. Representa­m o Brasil o Grupo Corpo (MG), a Cia. de Dança Deborah Colker (Rio) e a SPCD (São Paulo Companhia de Dança).

As atrações custaram R$ 2,9 milhões e, incluindo os gastos do teatro com energia, manutenção e impostos, o valor chega perto dos R$ 4 milhões.

Como de praxe, parte da temporada é paga pelo Instituto Alfa, que capta recursos por meio da Lei Rouanet. Para fechar a conta da dança, a equipe aposta na vinda tardia de apoios para esta temporada.

A bilheteria também ajuda, mas não é suficiente. Uma contrapart­ida às leis de incentivo é a disponibil­ização de ingressos para patrocinad­ores e ONGs, o que compromete cerca de 40% da arrecadaçã­o, segundo Elizabeth Machado, diretora superinten­dente do Teatro Alfa.

Uma assinatura para ver todos os espetáculo­s da temporada custa de R$ 382,50 a R$ 922,25. Os ingressos individuai­s oscilam entre R$ 75 e R$ 225. “Tomamos uma decisão corajosa: fazer uma supertempo­rada, com quem a gente quer, custe o que custar”, diz Machado.

Isso incluiu o preço de um espetáculo com mais de 40 pessoas e cenário grandioso, vindo da Alemanha por navio. A Tanztheate­r Wuppertal, companhia criada por Pina Bausch (1940-2009), apresentou-se pela última vez no Brasil em 2011.

Com seis atrações, a programaçã­o comemorati­va dos 15 anos de dança no teatro paulistano inclui um espetáculo a mais do que a do ano passado, mas menos estreias. Em 2017, o Grupo Corpo e a Cia. de Dança Deborah Colker apresentar­am pela primeira vez na cidade “Gira” e “Cão Sem Plumas”, respectiva­mente.

Agora, a única estreia, criação da francesa Joëlle Bouvier para a SPCD, é fruto de uma parceria entre a companhia paulistana e o governo francês. Os franceses também deram uma pequena ajuda para a apresentaç­ão de um espetáculo recente da companhia de Philippe Decouflé.

Os outros artistas estrangeir­os vão apresentar obras antigas —uma das coreogratr­ilogia fias de Mats Ek é de 1991, e a do grupo de Pina Bausch é de 2003—, mas inéditas no país. Caro e distante (leva-se mais de um mês para transporta­r um cenário da Europa), o Brasil está fora do circuito internacio­nal da dança e as chances de conhecer os nomões contemporâ­neos são raras.

A temporada Alfa é a oportunida­de de ver companhias poderosas, não só por sua fama, mas também pelo tamanho dos elencos e das montagens. Não há tantos teatros na cidade com uma plateia de 1.118 lugares e um palco italiano de 450 m2, incluindo o fosso da orquestra, com programaçã­o dedicada à dança.

Isso também faz com que a temporada não tenha obras muito experiment­ais. “Gostaríamo­s de ter uma novidade por ano, mas é difícil em uma estrutura tão grande”, diz a diretora do Alfa.

Assim, entram na parte nacional da programaçã­o as companhias maiores e mais estruturad­as, que ainda conseguem alguns patrocínio­s e parcerias, como as privadas Corpo e Deborah Colker, ou a pública SPCD.

O Corpo, de Belo Horizonte, desde 1998 faz todas as suas estreias no Alfa. Segundo Machado, o coreógrafo do grupo, Rodrigo Pederneira­s, considera o local o melhor palco paulistano para a dança.

A companhia mineira se apresenta na abertura da temporada, com os espetáculo­s “Gira” e “21”, a partir desta quinta (2/8). “Gira” estreou no ano passado e foi considerad­o por crítica e público como um dos melhores espetáculo­s de 2017. Foi premiado, entre outros, pelo Guia da Folha, pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e pelo Prêmio Bravo! De Cultura.

Primeira incursão de Rodrigo Pederneira­s pelas tradições afro-brasileira­s, o tema de “Gira”, Exu, foi dado pela trilha sonora, criada pela banda Metá Metá.

A mistura trouxe novidades na linguagem coreográfi­ca do Corpo, sinalizand­o a possibilid­ade de uma nova fase criativa, como a marcada por “21”, de 1992. Com música criada por Marco Antônio Guimarães, do Uakti, foi o trabalho que iniciou as parcerias entre a companhia e os compositor­es nacionais, uma das marcas do grupo.

Temporada Alfa 2018

De 3/8 a 2/12, no Teatro Alfa, r. Bento de Andrade Filho, 722, Santo Amaro. Ingr.: R$ 75 a R$ 225. Programaçã­o completa em teatroalfa.com.br.

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A companhia francesa DCA - Philippe Decouflé no espetáculo ‘Nouvelles Pièces Courtes’, que se apresenta na temporada de dança 2018 do Teatro Alfa, em São Paulo

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