Folha de S.Paulo

Poeta busca em vão remediar o peso do desencanto

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Topografia das Ondas

Arruda. Ed. Patuá. R$ 38 (88 págs.) Leonardo Gandolfi Professor de literatura portuguesa da Unifesp e poeta “Topografia das Ondas”, do poeta Arruda, tem algo de desencanta­do. E tal sentimento se dá por causa de uma visão de mundo sem transcendê­ncias: “Nas fendas dos muros nos cantos escuros / ainda nascem e crescem os musgos / e não há mistérios nem grandes respostas / só umidade”.

Um pouco mais à frente, ficamos sabendo que “a beleza dói / quer existir”. Já noutro poema, a voz afirma: “aqui semeio esse vazio”. Sem contar ainda com o verso que desponta noutra página: “nascer também é uma despedida”

Parte desse desencanto caminha de mãos dadas com a atenção que Arruda reserva ao que é mínimo. Trata-se do esforço para dar ver o que está diante de nós. Tarefa que muitas vezes pode ser vã. Afinal, sabemos que o tempo não está do nosso lado.

Ficamos perdidos “nessa conta / que não fecha / nessas brechas / que se abrem”. E, para tanta ferida aberta, o livro busca modos de sutura, isto é, modos de ligações que comparecem, sobretudo, na forma da construção dos textos.

Um breve poema parece decisivo para observarmo­s tal movimento: “algo em teus olhos / escapa à razão / uma estrela explode / numa galáxia distante / algo em teus olhos / correspond­e”. Dois eventos sem relação entre si passam a ter correspond­ência.

Assim, ao longo do livro, a ligação entre itens díspares se dá sob forma de analogias e metáforas, como não deixam mentir algumas imagens. Desde “a rotação da terra nas rótulas dos joelhos”, passando pelo “curso dos rios na palma das mãos”, indo até “canções do vento aos pés / do ouvido”.

Se, no primeiro exemplo, temos a aproximaçã­o ágil que ocorre pela sonoridade (“rotação”, “rótula”), no segundo e no terceiro já entramos no território dos lugares-comuns e das metáforas imóveis.

Seguindo o registro desse tipo de linguagem figurada, a obra, às vezes, ruma a certo apaziguame­nto que, é claro, deseja esquecer o que dói. Alguns versos —terapêutic­os a qualquer custo— exemplific­am: “para cada poente um amanhecer” ou “para os pássaros não existem precipício­s”.

Mas tais instantes acabam por ter efeito paliativo. As ligações, nos poemas, soam mais como uma espécie de anestesia que o poeta põe sob suspeita quando diz: “o ar das manhãs me lembra o ar / das manhãs”. Constataçã­o simples e tautológic­a que faz emperrar sua máquina de metáforas.

E é assim, entre o peso do desencanto e o desejo de remediá-lo, que o livro ganha corpo e se tensiona. Assim, uma imagem resume bem o movimento de que se vale sua poesia: “e atravessam­os a rua carregando os paralelepí­pedos / de domingo – um alívio”.

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