Putin vence o mata-mata, mas disputa de pontos corridos continua
Russo mostrou-se capaz de organizar a Copa do Mundo, mas temas internos e isolamento são questões em aberto
Do ponto de vista de imagem, Vladimir Putin pode reclamar o troféu de vencedor da Copa do Mundo da Rússia tanto quanto os franceses.
O Mundial transcorreu com tranquilidade, o enorme aparato de segurança evitou quaisquer incidentes graves.
Mesmo os atritos políticos pontuais, principalmente envolvendo croatas e sérvios, foram contornados. Sobrou o protesto do grupo Pussy Riot contra Putin no gramado, na final, mas ninguém presente no estádio entendeu o que era a invasão de campo.
Nada disso, obviamente, altera o isolamento da Rússia em relação ao Ocidente. Esse objetivo pode começar a se desenhar a partir do encontro de Putin com o americano Donald Trump, nesta segunda (16) em Helsinque.
A final só teve a presença de dois líderes da União Europeia, o francês Emmanuel Macron e a croata Kolinda Grabar-Kitarovic, porque seus times estavam em campo.
E só Macron tem peso geopolítico. Dos outros sete líderes presentes, só um, o armênio aliado da Rússia, não pode ser descrito como autocrata. Até um indiciado por crimes de guerra, o sudanês Omar alBashir, esteve presente.
No Brasil não foi muito diferente, com dez chefes de Estado na final, mas a volta da Copa à Europa após 12 anos deveria ensejar uma presença maior de autoridades do continente na tribuna.
Isso dito, o russo colheu triunfo importante ao atingir sua meta: mostrar ser capaz de realizar o maior evento esportivo do mundo apesar de seu distanciamento do Ocidente. Já a Fifa, ela mesmo precisando de reforço positivo após escândalos de corrupção, se derreteu em elogios previsíveis à organização.
Putin se disse satisfeito e saudou a interação dos fãs com os russos. Até a desacreditada seleção russa foi bem.
“As pessoas não torceram para o futebol. Torceram para a Rússia”, disse Serguei Markov, um dos principais ideólogos do Kremlin nos anos 2000, hoje afastado de Putin.
É algo a ver. Pesquisa feita pela empresa Superjob ao fim da primeira fase mostrou que, para 60%, o Mundial não muda a imagem de Putin. Ao longo do torneio, ele evitou mudar sua agenda, restringindose a eventos da Copa.
Não há vitória sem custo, naturalmente. A abertura da Rússia a milhares de turistas estrangeiros, com as ruas de Moscou em uma atmosfera de festa nunca vista, tem o potencial de cobrar um preço político do Kremlin.
“Como será quando as portas se fecharem?”, questionou em artigo o cientista político Alexei Kolesnikov, fazendo uma analogia com o alerta que antecede a partida do metrô moscovita. A liberalidade do ambiente dificilmente seguirá a mesma, a começar pela proibição do consumo de álcool nas ruas, que é lei e deverá voltar a ser aplicada.
A considerar conversas pontuais com torcedores, a imagem da Rússia melhorou bas- tante entre estrangeiros.
Mas esse público também foi informado, pela mídia internacional com liberdade para atuar na Copa, de que gays são perseguidos e que o dissenso político é combatido no país todo, além de haver travas à liberdade de expressão.
Qual imagem, a tradicionalmente negativa ou a nova, mais positiva, irá prevalecer?
Externamente, é cedo para dizer. Internamente, contudo, fatos já se interpõem ao fator de bem-estar da Copa. A reforma da Previdência, impopular por elevar idade mínima para aposentadoria, e o aumento do principal imposto do país entraram em discussão durante o Mundial.
Se Putin quis encobri-los, falhou. Sua popularidade despencou da casa dos 80% para 65%. “A Copa é momento. Os problemas ficam”, diz Denis Volkov, do instituto de pesquisas Levada. Assim, Putin venceu o mata-mata. O torneio por pontos corridos segue.