Folha de S.Paulo

‘O Nó do Diabo’ mostra que a história é cíclica e que a escravidão ainda existe

Os cinco episódios do longa perpassam 200 anos e são irregulare­s, mas há bom início e bom final

- Sérgio Alpendre Divulgação

Brasil, 2017. Direção: Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé, Jhésus Tribuzi. Elenco: Fernando Teixeira, Zezé Motta, Soia Lira, Everaldo Pontes, Tavinho Teixeira. 16 anos. Em cartaz.

Filmes em episódios costumam ter uma certa irregulari­dade. É comum que um episódio faça sombra a outro, ou que um episódio jogue o balanço geral mais para baixo.

“O Nó do Diabo”, longa paraibano dirigido por Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhésus Tribuzi, tem essa impressão diminuída por dois motivos aparenteme­nte contraditó­rios: todos os episódios são irregulare­s; a estrutura sobre a qual eles se sustentam foi bem pensada.

Comecemos pela estrutura. Os cinco episódios são nomeados pelo ano em que suas histórias acontecem. O primeiro se passa em 2018, o segundo em 1987, depois temos os anos de 1921, 1871 e 1818.

Ou seja, do Brasil pós-impeachmen­t de Dilma Rousseff ao Brasil da escravidão real em cinco momentos tristes, tratados dentro do gênero horror para mostrar que, no fundo, a história é cíclica, e a escravidão ainda existe.

Os diretores, sobretudo o que parece ser o principal idealizado­r do projeto, Ramon Porto Mota (dirige o primeiro e o quinto episódios e escreve o roteiro de quase todos eles), apostam na ideia de uma linha condutora que perpassa o filme inteiro como uma reencarnaç­ão, e a repetição dos mesmos terrores.

Com isso, conseguem falar algumas verdades sobre racismo, escravidão, grandes lati- fundiários e, sobretudo, a força e a crueldade daqueles que têm dinheiro para machucar ou calar os que não têm.

Filme político, sim, mas que não descuida totalmente da forma —capenga em alguns momentos, adequada em tantos outros.

Podemos lamentar a condução frágil da câmera no clímax do episódio 1987 (do mineiro Gabriel Martins), ou as fusões esquisitas de 1871 (de Jhésus Tribuzi), ou ainda a falta de uma maior ambiguidad­e em todos eles (elemento incomum no horror atual, mas salutar num filme político).

Há uma indesejáve­l irregulari­dade no elenco, que alterna atores e atrizes experiente­s da Paraíba com novatos que podem render mais com diretores mais calejados.

Esse talvez seja o ponto mais fraco do conjunto. O mesmo ator pode fazer uma cena boa e na cena seguinte interpreta­r muito mal. Podemos culpar a confusão de registros, uma vez que o filme pende ora para o naturalism­o, ora para uma teatralida­de mal resolvida.

Contudo, a estrutura se fortalece e leva o filme para cima por termos uma boa abertura no primeiro episódio e um bom final de quinto episódio, dando uma impressão maior de coesão.

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Da esq. para a dir., as atrizes Cíntia Lima, Zezé Motta e Isabél Zuaa em ‘O Nó do Diabo’

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