Folha de S.Paulo

José da Fonseca Lopes Caminhonei­ro não tem de ganhar o peixe, tem de aprender a pescar

Um dos líderes que deram início à paralisaçã­o da categoria diz que tabela do frete mínimo não funciona em lei da oferta e da procura

- Joana Cunha

“No mercado da lei da oferta e da procura jamais vai vigorar uma tabela [de frete] eternament­e. Isso tem de ficar claro. Tem de ensinar o caminhonei­ro a pescar. Não adianta dar o peixe.”

A opinião é de José da Fonseca Lopes, presidente da Abcam (Associação Brasileira dos Caminhonei­ros), um dos porta-vozes e pioneiros do movimento que parou o país em maio deste ano.

Ele diz que não participou da audiência sobre a tabela do frete com o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), nesta quinta-feira (28), porque acredita em uma negociação mais prolongada, para se chegar a um meio-termo.

Sem acordo, Fux adiou sua decisão para agosto.

A posição de Fonseca difere da adotada pelo presidente da CNTA (Confederaç­ão Nacional dos Transporta­dores Autônomos), Diumar Bueno, que foi ao STF defender o preço mínimo e não descarta uma nova paralisaçã­o.

“Quem quiser fazer um negócio desse vai ter de assumir o risco”, diz Fonseca.

Que balanço o sr. faz do protesto de caminhonei­ros?

Foi benéfico. Mostrou ao governo e à sociedade as dificuldad­es do setor. Quem praticamen­te começou tudo fomos nós [da Abcam], mas não com o objetivo de chegar aonde chegou.

Minha política sempre foi a de que os caminhonei­ros parassem em casa. Mas chegou a um ponto em que não teve como administra­r.

Na negociação, a nossa proposta era tirar PIS, Cofins e Cide do diesel. E teve alguns parceiros que continuam na negociação, que fizeram a solicitaçã­o do eixo suspenso, da reserva na Conab e o frete.

O sr. não participou hoje (quinta-feira, 28) da audiência com o ministro Luiz Fux, do STF?

Não. Quando começou essa batalha do frete, eu vinhaacomp­anhando,mas,num determinad­o momento, percebi que estava havendo um desencontr­o na negociação.

Fizemos uma planilha de sugestão e entregamos na ANTT (Agência Nacional de Transporte­s Terrestres). Também protocolam­os nossa planilha no gabinete do ministro Fux.

Sei que eles olharam, mas ainda tenho minhas dúvidas. Temos de entender uma coisa: não adianta ganhar e não levar. Tem de ser flexível. Vamos negociar. Eu apresentei uma como sugestão, se essa não dá, vamos atrás de outra.

Mas existe um grupo que está querendo aprovar isso a ferro e fogo, o pessoal da CNTA [Confederaç­ão Nacional dos Transporta­dores Autônomos], do Rio Grande do Sul. Estamos trabalhand­o juntos, mas às vezes com opiniões divergente­s.

A sua opinião é mais flexível?

Eu não parei. Sei que isso não vai terminar hoje nem amanhã. Provavelme­nte vamos reanalisar a nossa e ver onde a gente pode mexer em alguma coisa que não prejudique o segmento. Temos de entender que tem de ter um preço mínimo para o caminhonei­ro poder sobreviver.

Se precisar mexer nessa medida provisória, vamos mexer. Mandamos a nossa planilha para os embarcador­es, e ela está sendo atrativa.

No mercado da lei da oferta e da procura jamais vai vigorar uma coisa como tabela eternament­e. Isso tem de ficar claro. Tem de ensinar o caminhonei­ro a pescar. Não adianta dar o peixe. Estamos desenvolve­ndo uns aplicativo­s aqui.

O que estão achando do preço do diesel?

Foi uma negociação com o governo em que ele falou que até a primeira quinzena de junho estaria tudo resolvido. Não está. Voltamos a conversar e vamos esperar até o dia 30 para ver.

Mas eu tenho feito algumas pesquisas. Por exemplo, vim de São Paulo para Brasília e todos os postos em que eu parei estão cumprindo.

Acha que esses postos se prepararam para receber a sua visita. Qual é o procedimen­to quando encontram um posto que não repassou a queda?

[Risos] Eu conversei com os caminhonei­ros, estão cumprindo. No Norte também, se não 100%, pelo menos 90%. Alguns tiveram queda de R$ 0,41, outros R$ 0,40. Agora a nossa política é denunciar postos.

Tem uma determinaç­ão. Se o governo está cobrindo essa diferença de preço, é justo que eles coloquem na bomba. Acredito que vamos conseguir. Estamos em cima.

Se o caminhonei­ro vai num posto e vê que não está nem o [desconto de] R$ 0,41, a gente denuncia para o Procon.

Qual é a chance de uma nova paralisaçã­o?

Não concordo com isso. Nós mostramos a força do caminhonei­ro, mas temos de entender que, nessa fase crítica, com o prejuízo que já foi causado ao país, de repente, não podemos nem pensar.

Quem quiser fazer um negócio desse vai ter de assumir totalmente o risco. Tem processo em cima da gente. Temos três advogados só respondend­o essas coisas.

Tem algum outro grupo ainda consideran­do novas paralisaçõ­es?

Tem. Eu já falei: ‘amigos, vocês não podem instigar isso porque, quando vocês falam isso publicamen­te, não é só o caminhonei­ro que está ouvindo’. Há outros grupos que querem ver o circo pegar fogo. Se isso começar, sabe lá o que vai acontecer. Eu não participo disso.

Está se referindo aos que pediam a intervençã­o militar?

Isso. Não pense que eles acabaram. Não acredito que pode ter outra greve como foi essa, porque o pedido do diesel já está aí, o do eixo suspenso, têm muitas coisas.

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É presidente da Abcam (Associação Brasileira dos Caminhonei­ros). Foi caminhonei­ro autônomo e fundou entidades sindicais do setor como Fetrabens, Sinditanqu­e e Abcam. É também vice-presidente da CNT (Confederaç­ão Nacional do...
Divulgação/Abcam José da Fonseca Lopes, 75 É presidente da Abcam (Associação Brasileira dos Caminhonei­ros). Foi caminhonei­ro autônomo e fundou entidades sindicais do setor como Fetrabens, Sinditanqu­e e Abcam. É também vice-presidente da CNT (Confederaç­ão Nacional do...

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