Folha de S.Paulo

Para líder de ONG, todo artista pode ser ativista da paz e dos direitos humanos

Criadora dos Músicos Sem Fronteiras, Laura Hassler fala hoje em SP, em evento do Projeto Guri

- Rafael Gregorio Sounds of Palestine/Músicos Sem Fronteiras/Divulgação

Comida, bebida, roupas, teto, emprego; do que mais um refugiado precisa? “Música”, diz Laura Hassler. A cantora e ativista, 70, vem a São Paulo contar sua experiênci­a à frente dos Músicos Sem Fronteiras —MWB, na sigla em inglês. Ela fala nesta segunda (25), às 14h30, no seminário For All: Juventude e Conexões Musicais, no Masp.

Criada em 1999, a ONG promove ações que usam a música para ajudar populações afetadas por guerras, migrações e outros conflitos violentos.

“Quando começamos, as pessoas riam. ‘Música é legal’, diziam, ‘mas é supérfluo’. Sempre respondi o mesmo: ‘Vocês não imaginam o poder que a arte tem de dar esperança’.”

Sua trajetória ativista de data dos anos 1960. “Passei a juventude protestand­o contra a Guerra do Vietnã. E sendo presa por isso.” Em 1977, migrou dos EUA para a Holanda e fez carreira como cantora.

Quando estourou a Guerra de Kosovo (1998), sua predileção pelo jazz cigano do Leste Europeu a fez ver com atenção aquelas populações famintas, desalojada­s, apavoradas.

Incomodada, reuniu amigos em um show beneficent­e em Amsterdã, em 1999. Um ano depois, criaram a ONG e passaram a coletar doações para projetos mais ambiciosos.

Surgiram iniciativa­s como o Ônibus Musical, que, de 2002 a 2011, levou música, dança e teatro a crianças em campos de refugiados em Srebrenica, Bósnia, onde um massacre em 1995 matou 8.000 islâmicos.

As primeiras iniciativa­s promoveram intercâmbi­os de músicos de países ricos para regiões vulnerávei­s. Depois, mudou a estratégia: “Passamos a trabalhar com crianças locais e a formar professore­s.”

Assim, a MWB ampliou de centenas para milhares o número de beneficiad­os em locais como El Salvador, Uganda, Ruanda e Palestina.

O perfil dos músicos alocados e a natureza das iniciativa­s vêm da análise das carências.

Exemplo é o projeto vigente com refugiados na Europa. “Temos estudado hip-hop, que eles ouvem, e aplicativo­s de celular para gravar, já que não há instrument­os.”

Esse investimen­to, porém, é de longo prazo, termo pouco atrativo a doadores —a entidade se mantém com recursos de indivíduos e de entidades, como a Unicef e o Spotify.

A MWB tem oito funcionári­os em sua sede, em Amsterdã, e quatro em outros países, além dos professore­s em campo e dos músicos voluntário­s.

Eles se reúnem uma vez por ano para receber treinament­o, cujo objetivo, diz Hassler, “é fomentar a ideia de que todo músico é potencial ativista da paz e dos direitos humanos”.

Uma vez “graduados”, os instrutore­s tornam-se aptos a treinar outros formadores. É um efeito cascata, diz Hassler. “Apenas em nosso projeto na Palestina, trabalhamo­s com 6.000 crianças por ano.”

Essa corrente a faz ver pontos positivos até no que chama de “assustador­as figuras autoritári­as, inclusive nos EUA” —a referência é ao presidente Donald Trump, de feitos como enjaular crianças imigrantes e separá-las dos pais.

“É o pior momento que já vivi nos direitos humanos, mas nunca houve tanta gente trabalhand­o por eles. Só que essas coisas não aparecem tanto quanto as notícias ruins.”

Hassler diz ter vontade de trabalhar no Brasil; para tanto, pode colaborar o contato com o Projeto Guri, que também usa a música para auxiliar mais de 50 mil alunos por ano no estado de São Paulo.

Promovido com a ONG Jeunesses Musicales Internatio­nal, o evento em que Hassler fala destaca iniciativa­s afins.

É o caso de Jon Deak, da Filarmônic­a de Nova York, que compõe peças com crianças e, depois, as toca na orquestra.

For All: Juventude e Conexões Musicais

Seg. (25) a qua. (27), no auditório do Masp, av. Paulista, 1.578, São Paulo. Programaçã­o completa e ingressos em www.projetogur­i.org.br.

“Quando começamos, as pessoas riam de nós. ‘Música é legal’, diziam, ‘mas é supérfluo para refugiados’. Minha resposta foi sempre a mesma: vocês não imaginam o poder da arte em fomentar esperança e sobrevivên­cia Laura Hassler, fundadora da ONG Músicos Sem Fronteiras

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Crianças palestinas abrigadas em campos de refugiados participam de aulas e oficinas
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