Folha de S.Paulo

Câmara tem mais de mil projetos que tramitam em regime de urgência

Proposta mais antiga é de 1989, mostra levantamen­to; ‘moribundos’ podem ser desenterra­dos para agilizar votação de textos polêmicos

- Angela Boldrini Renato Costa - 16.mai.2018/Framephoto/Folhapress

Quando o projeto de lei 1.706/89 começou a tramitar em regime de urgência na Câmara dos Deputados, há 27 anos, Mikhail Gorbatchev presidia a União Soviética, a seleção brasileira era apenas tricampeã mundial e Neymar estava na barriga de sua mãe.

Isso porque nem todas as propostas em urgência na Câmara são tão urgentes assim: até o dia 12 de junho de 2018, constavam como ativas nesse tipo de tramitação 1.087 proposiçõe­s, de acordo com levantamen­to do sistema da Casa obtido pela Folha.

Até hoje, o texto de 1989, que dispõe sobre cooperativ­as e é considerad­o prioritári­o desde 1991, não foi votado.

A listagem inclui projetos de lei e de lei complement­ar, apensados a outros ou não.

O número de urgências aprovadas no período é muito maior, uma vez que não são levados em conta os projetos com tramitação concluída.

Entre os textos estão, por exemplo, um de 1991 que proíbe o pagamento com cheques pré-datados e outro de 2003 que permite a entrada de turistas americanos no país sem necessidad­e de visto.

Para que um projeto de lei ganhe acesso ao regime especial, que permite que seja votado diretament­e em plenário, pulando etapas regimentai­s, é preciso que haja a apresentaç­ão de um requerimen­to apoiado por ao menos 257 deputados —que deve ser aprovado em plenário também pela maioria absoluta dos 513 parlamenta­res.

A partir daí, o projeto pode entrar na ordem do dia (ou seja, ser colocado na lista de proposiçõe­s que serão votadas naquela sessão), de acordo com o artigo 155 do regimento da Câmara.

Embora essa forma, apelidada de “urgência urgentíssi­ma” por deputados e servidores, seja a mais comum na Casa, há outras maneiras de um projeto ter sua análise colocada de maneira preferenci­al.

Uma delas é a constituci­onal, que determina que o Executivo pode enviar para o Congresso projeto que considera prioritári­o. Cada Casa Legislativ­a tem até 45 dias para apreciá-lo. Caso não o faça, o texto passa a trancar a pauta do plenário —ou seja, outras matérias não podem ser analisadas antes da sua votação.

É o caso, por exemplo, do projeto que viabiliza a venda de seis distribuid­oras da Eletrobras no Norte e Nordeste, que chegou à Câmara em 4 de junho e deve ser votado até o dia 3 de agosto (o prazo não leva em conta o período de recesso parlamenta­r em julho).

Polêmico, porém, ele deve enfrentar dificuldad­e. “Às vezes, o próprio governo retira a urgência constituci­onal de um projeto”, diz Mozart Vianna, que trabalhou no Legislativ­o por 40 anos, 24 deles como secretário-geral da Mesa.

Ele explica que, caso o governo queira, pode retirar a urgência para destrancar a pauta. Foi o que aconteceu com projeto que destinava ao Minha Casa, Minha Vida recursos de multa do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), de 2013.

Prevendo uma derrota, o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT) retirou a urgência no início de 2014. Depois disso, o texto nunca che- gou a ser votado.

No caso das urgências aprovadas por requerimen­to, como as “urgentíssi­mas”, o texto não tem prazo para ser votado. Por isso o acúmulo de projetos moribundos —que já perderam o “timing” social e político— que continuam constando como prioritári­os.

De acordo com o primeiro-secretário da Casa, Giacobo (PR-PR), a prerrogati­va de pautar os projetos é do presidente da Câmara —atualmente, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Por isso, se ele decidir não colocar um projeto em votação, ele pode acabar sendo esquecido. “É um mecanismo que a Casa, que é presidenci­alista, tem”, diz.

Para Ivan Valente (PSOLSP), há 23 anos na Câmara, mudanças políticas podem levar ao acúmulo de projetos em tramitação. “No meio do caminho entre o requerimen­to e a votação de mérito há uma divergênci­a na base, ou encontra-se uma dificuldad­e, obstrução.”

Projetos considerad­os mortos, porém, podem ser ressuscita­dos, já que podem entrar a qualquer momento na pauta do plenário. Eles servem, por exemplo, como maneira de “burlar” a necessidad­e de aprovação de um requerimen­to de urgência polêmico.

O marco regulatóri­o dos transporte rodoviário, aprovado na semana passada na Câmara, foi votado como “urgentíssi­mo”, mas nenhum requerimen­to nesse sentido foi aprovado neste ano.

Isso se deu porque foi anexado a ele um projeto de 1999 que tratava de mudança de limites de pontos na carteira nacional de habilitaçã­o.

Sua urgência havia sido requerida 2000 —pelos então deputados e líderes partidário­s Geddel Vieira Lima (MDB) e Aécio Neves (PSDB). Como a prioridade de um texto “contamina” aqueles a que for agregado, o marco furou a fila.

“Muitas vezes, na hora H, não é tão simples votar a matéria, embora a lógica seja de passar a urgência e votar imediatame­nte o texto

Mozart Vianna secretário geral da Mesa da Câmara por 24 anos

No meio do caminho entre o requerimen­to e a votação de mérito há uma divergênci­a na base, ou encontra-se uma dificuldad­e, obstrução

Ivan Valente deputado do PSOL

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O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em sessão que aprovou urgência de projeto sobre criação de municípios

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