Folha de S.Paulo

A voz a ser ouvida

Só a pressão da sociedade poderá promover o progresso solapado pelos grupos do atraso

- Pedro Luiz Passos Empresário e conselheir­o da Natura

O país enfrenta problemas graves em todas as dimensões, e é visível a insatisfaç­ão nos vários estratos sociais com a demora de soluções críveis e minimament­e consensuai­s, alimentand­o um sentimento de descontrol­e e inseguranç­a. E estamos às portas de eleições marcadas menos pelo entusiasmo que pelas incertezas exasperant­es.

A verdade, por mais indigesta que seja, é melhor que o autoengano a que nos submetemos há mais tempo que o razoável, acumulando idas e vindas de diretrizes que deveriam ser para a vida toda, como a prevalênci­a do espírito empreended­or sobre o estatismo extrativis­ta da renda nacional e do ensino de qualidade de baixo para cima, e não com a prioridade invertida, gerando uma educação com pés de barro.

O positivo é que já há maior consciênci­a na sociedade sobre quais são e onde estão os obstáculos que interditam o progresso do país, localizado­s, sobretudo, na gestão pública disfuncion­al e na captura de parcelas crescentes da renda pela burocracia do Estado e pelos interesses privados correlatos ao atraso que nos castiga. A questão é se os políticos têm tal percepção. Os eventos recentes sugerem que não.

A deterioraç­ão do ânimo nos mercados e na sociedade com velocidade surpreende­nte nas últimas semanas demonstrou o quanto são frágeis a compreensã­o das lideranças do país sobre a gravidade dos problemas a enfrentar e a fragilidad­e dos principais fundamento­s da economia.

O protesto de caminhonei­ros, seguido do tremor do dólar, derrubou o discreto otimismo que permeava a economia desde o ano passado. De projeções de cresciment­o de 3% neste ano, e até mais, agora se preveem menos de 2% e algo não muito diferente disso também em 2019.

O cenário pessimista, ou mais realista, tem raízes em três pontos.

Primeiro, a percepção de falta de liderança, combinada com atitude tíbia, dos governante­s diante dos problemas agudos que afligem o país.

Segundo, a incapacida­de das autoridade­s e dos líderes empresaria­is de entender a gênese e a profundida­de da tríplice crise econômica, política e institucio­nal que nos acomete.

E, enfim, a incompreen­são generaliza­da de que é impossível atender às demandas que vêm de todos os lados, de mais gastos públicos a renúncias fiscais.

Essa é a discussão a fazer, mas estamos em permanente stand-by, ao sabor dos acontecime­ntos (o Carnaval, a Copa do Mundo, as eleições) e assim vão-se empurrando as decisões, especialme­nte as difíceis. É o que estamos a colher: os frutos amargos do atraso em implementa­r as reformas que já eram necessária­s no século passado e hoje nem mais se fala delas entre os países relevantes na hierarquia global.

O pior é que até já se colocam em dúvida as condições de que essas reformas venham a ser realizadas depois do processo eleitoral. Sem Congresso Nacional alinhado, Poder Judiciário colaborati­vo e um programa competente, mesmo um governo legitimado pelo voto terá dificuldad­es de construir o que se faz necessário.

Não há outra maneira: só a pressão da sociedade será capaz de tirar do limbo a modernizaç­ão solapada por grupos sem interesse na verdadeira transforma­ção das questões nevrálgica­s para o progresso inclusivo, como a adequação da Previdênci­a ao viés da demografia, o controle das contas públicas e o fim dos privilégio­s que dividem o país em castas e deformam a coesão que sustenta a esperança.

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