Folha de S.Paulo

Resistênci­a à linguagem fácil marca mostra em MG dedicada à preservaçã­o do cinema

- -Inácio Araujo

O tema “Vanguarda Tropical: Cinema e Outras Artes”, anunciado pela 13ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), é sintomátic­o: por um lado, comemoram-se os 50 anos de 1968, por outro trata-se de resgatar a produção menos conhecida que marcou o período mais pesado da ditadura militar no Brasil.

A produção cinematogr­áfica é representa­tiva: a exibição de “Sem Essa, Aranha” (1970), de Rogério Sganzerla, e a homenagem na noite de abertura, na quarta, à atriz Maria Gladys, uma das mais ativas no ciclo dos filmes “marginais” no Brasil, são bem sintomátic­as dessa força.

De 13 a 18 deste mês, o CineOP tem se dedicado a esquadrinh­ar as intensas trocas entre o cinema e outras artes naquela época. Artistas como Jorge Mautner, Helio Oiticica, Sérgio Ricardo estiveram bem próximos, como atores ou mesmo realizador­es.

Além de revirar arquivos pessoais em busca de filmes nunca exibidos comercialm­ente, o CineOP deste ano pretende ainda aproximar efetivamen­te de outras artes, não só pela evocação de Oswald de Andrade (cuja ideia de antropofag­ia norteou a maior parte da produção entre os anos 1960 e 1970).

Se o reconhecim­ento de que os “marginais” constituír­am na verdade uma vanguarda na resistênci­a ao regime de arbítrio é uma primeira constataçã­o importante, afirmar a proximidad­e entre o cinema e outras artes a acentua.

Um show de Tom Zé durante o evento não terá somente o objetivo de torná-lo mais popular. Mais provavelme­nte selará essa pertinênci­a comum entre as artes (teatro, música, artes plásticas, cinema).

Além das mesas que, tradiciona­lmente, cuidam da preservaçã­o e restauro de filmes, ou de sua história, a programaçã­o já deu início às sessões que comprovam essa integração entre artes: lá estão sendo exibidos “O Demiurgo”, de Jorge Mautner, “Homenagem a Steinberg”, de Nelson Leirner, “Light Works”, de Iole de Freitas, “X”, de Anna Maria Maiolino.

O pessoal mais ligado ao cinema está presente também: “Caveira, My Friend”, de Álvaro Guimarães (1970), é um dos longas da série histórica; entre os curtas, “O Ataque das Araras”, de Jairo Ferreira, “Alma no Olho”, de Zózimo Bulbul, “O Som ou Tratado da Harmonia”, de Arthur Omar”, “Tratado da Vermelha”, de Torquato Neto, e “Triunfo Hermético”, de Rubens Gerchman, entre outros.

Na produção contemporâ­nea, a mostra selecionou “Landscape”, de Luiz Rosemberg Fº, “O Desmonte do Monte”, de Sinai Sganzerla (filha de Rogério e Helena Ignez), o “Sem Título 4”, de Carlos Adriano.

Se pela própria proposta o CineOP se dedica essencialm­ente a algo tão relevante como pouco popular (a preservaçã­o de filmes, seu restauro e história), neste 2018 a proposta se radicaliza e se coloca em ruptura com a produção comercial, propondo em troca a observação dessa produção em que a ideia de resistênci­a, tanto em 1968 (contra a ditadura e a censura) quanto em 2018 (contra a linguagem fácil), é que se impõe.

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Divulgação Cena do filme ‘Caveira My Friend’, de Álvaro Guimarães, de 1970

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