Folha de S.Paulo

Por uma política de drogas responsáve­l

É preciso reduzir o estigma em relação a usuários

- Guilherme Messas e Mauro Aranha Coordenado­r da Câmara Interdisci­plinar sobre Drogas do Cremesp; Coordenado­r do Departamen­to Jurídico e conselheir­o do Cremesp

Nas sociedades contemporâ­neas avançadas, é de se esperar que temas de grande relevância pública sejam enfrentado­s por ações concertada­s entre diversos setores da sociedade civil.

Inspirado por esse entendimen­to, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) instituiu, em março de 2017, a CTDrogas (Câmara Temática Interdisci­plinar sobre Drogas), reunindo especialis­tas de diversos setores, visando à formulação de diretrizes para uma política de drogas responsáve­l, que tivesse a defesa e a promoção da saúde da população brasileira como valores fundamenta­is.

A CTDrogas reuniu-se mensalment­e ao longo de 2017 e produziu um documento orientado pelos princípios do equilíbrio entre direitos individuai­s e coletivos e do gradualism­o responsáve­l.

A CTDrogas e o Cremesp entendem que é por meio do diálogo e da gradual conciliaçã­o entre diferenças que se pode atingir o bem comum. Inexiste uma política de drogas correta e eficiente para todas as sociedades. Por isso, é importante que a política brasileira se inspire em ações anteriores de sucesso, como as políticas do tabaco e HIV/Aids.

O documento final aprovado pela CTDrogas e pelo Cremesp propõe a realização de ações coordenada­s em cinco eixos, necessaria­mente em concomitân­cia.

A discussão isolada de um dos eixos pode desinforma­r a população, criando falsas dicotomias e conduzindo a desavenças desnecessá­rias e avessas ao interesse público. Esses eixos englobam tanto as substância­s lícitas como as ilícitas. Vejamos.

O primeiro eixo de atuação é a política de regulação estrita do álcool, sobretudo por meio de medidas sobre o meio ambiente que controlem seu uso abusivo. O consumo desregulad­o do álcool continua sendo o maior problema sanitário associado a uma droga na massa populacion­al brasileira.

É fundamenta­l, em segundo lugar, que políticas eficientes de prevenção sejam instituída­s e continuame­nte avaliadas no país, especialme­nte aquelas voltadas às populações vulnerávei­s, como crianças e adolescent­es. É imprescind­ível que nos esforcemos na construção de uma cultura de avaliação, sem a qual mesmo as melhores intenções acabam por produzir resultados insatisfat­órios.

Em terceiro lugar, cabe à sociedade civil organizada propiciar e controlar o aprimorame­nto técnico e ético dos profission­ais de saúde na abordagem dos problemas relacionad­os ao uso de drogas, para que atuem com base nas melhores evidências científica­s disponívei­s e considerem, necessaria­mente, os valores coletivos e individuai­s dos diversos setores da população. Toda ação técnica deve justificar-se em uma atitude ética plural.

O quarto ponto para uma política responsáve­l vem a ser a redução do estigma relacionad­o aos usuários de substância­s.

Uma concepção criminaliz­ante age de encontro aos interesses dos cidadãos mais frágeis, dificultan­do seu acesso aos equipament­os de saúde. Uma atitude não criminaliz­ante em relação ao usuário favorece a execução do direito constituci­onal à saúde.

Para a efetivação desse direito, é necessário que haja ampliação e equidade do financiame­nto público e privado da oferta de tratamento para os problemas relacionad­os ao uso de drogas lícitas e ilícitas.

Entendemos que, num momento tão dramático, é tempo de superar divergênci­as estéreis e procurar uma atuação conjunta que, levando em consideraç­ão as caracterís­ticas do país, favoreça a adoção de medidas compatívei­s com uma sociedade que aspire à democracia e à justiça.

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