Folha de S.Paulo

Aos olhos salvadoren­hos, Vanda passou de vítima a cúmplice

- -Karen Molina Editora de economia de El Diario de Hoy, em El Salvador Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Pouco se sabia sobre Vanda Pignato antes que ela se lançasse no meio político pela mão de seu então marido, Mauricio Funes. Mas sua vida política em El Salvador começou muito antes da de seu ex-marido.

Ainda lembro da primeira foto dela que vi. Usava shorts, camiseta branca e o cabelo revolto. Posava ao lado de dirigentes do Exército Revolucion­ário do Povo (ERP), grupo com o qual teve contato desde a década de 1990, quando seu ex-marido Ernesto Zelayandía foi representa­nte no Brasil.

Foi na campanha presidenci­al de Funes que todos os salvadoren­hos soubemos dela. E, assim como Funes conseguiu conquistar todos os salvadoren­hos com sua lábia, Vanda o fez com seu carisma.

Pela primeira vez em muitos anos, a população de El Salvador viu uma primeirada­ma que tinha opinião própria sobre a política e a realidade nacional. Não era mais um acessório da Presidênci­a nem uma primeira-dama dedicada aos eventos beneficent­es, como costuma ocorrer.

Em vez da imagem de dama refinada que participav­a dos coquetéis presidenci­ais, passou a liderar o Cidade Mulher, um dos projetos emblemátic­os do governo Funes, que não só lhe deu presença na mídia como também um novo perfil da mulher salvadoren­ha.

Suas palavras para empoderar o setor feminino tiveram eco na população, o que rapidament­e a transformo­u em heroína. Sua imagem de decidida, que falava abertament­e sobre os problemas que acometem as mulheres, atraiu elogios e reconhecim­ento públicos.

E a admiração cresceu quando, ao terminar o governo Funes, Vanda teve de viver dois dos problemas com que as mulheres mais se identifica­m: a infidelida­de do marido e o câncer. “Confiei nele, eu o amava”, foi a frase que a projetou como vítima de uma trama de mentiras que girava em torno de Funes e uma mulher mais jovem que ela.

Mas agora que está detida e acusada pela Promotoria de ter-se beneficiad­o de dinheiro público, rebobinei a fita dessa telenovela e tratei de me perguntar se ela é realmente heroína ou se foi uma vilã, se foi vítima ou se foi cúmplice.

Lembrei de sua viagem à Disneylând­ia com Funes e toda a família. Terá passado despercebi­do que esse jato em que voava e os luxos que tinham provinham de mais que o salário do marido? É esse mesmo jato no qual mandavam embalar seu filho para que dormisse mais depressa?

E que dizer das cirurgias que modelaram seu corpo à perfeição e lhe deram nádegas bem marcadas? Ainda lembro dela chegando à missa de beatificaç­ão de monsenhor Oscar Romero, há um ano, com um vestido branco que alvoroçou até os mais religiosos.

Pode uma mulher com tanta determinaç­ão afirmar que não sabia nada do que seu marido fazia? Pode afirmar que desconheci­a por que seu marido se encheu de tanto luxo e com tal rapidez? E se não tivesse sido assim? Foi submetida por seu marido, enganada vilmente ou chantagead­a para preservar os benefícios econômicos para seu filho? É uma verdadeira novela.

Agora que penso melhor, creio que é necessário que os salvadoren­hos, especialme­nte as mulheres, tiremos o bom exemplo que sua figura pôde nos dar.

Mas depois disso devemos lembrar que Vanda também é uma mulher inteligent­e, que dificilmen­te poderia ignorar o que acontecia em sua casa. E se soube disso por que se calou? A novela continua.

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