Folha de S.Paulo

Desobediên­cia internacio­nal

Empresas resistem a colaborar com investigaç­ões

- Carvall Milton Fornazari Junior

Delegado de Polícia Federal em São Paulo, doutor em direito processual penal (PUC-SP) e autor do livro “Cooperação Jurídica Internacio­nal: Auxílio Direto Penal”.

Algumas filiais brasileira­s de multinacio­nais de tecnologia têm se negado, injustific­adamente, a cumprir ordens judiciais no Brasil relativas à implementa­ção de técnicas especiais de investigaç­ão, como o monitorame­nto de emails utilizados por pessoas investigad­as pela prática de graves crimes, o que acaba por prolongar a atividade criminosa e facilitar a impunidade de criminosos.

Alegam que as informaçõe­s dos emails estariam armazenada­s em servidores localizado­s em outro país, motivo pelo qual não teriam condições operaciona­is de acessá-las; afirmam, ainda, que os juízes brasileiro­s não teriam competênci­a para ordenar essas medidas, as quais, segundo elas, deveriam ser pleiteadas em cada caso pelas autoridade­s brasileira­s a um juiz estrangeir­o, por meio do auxílio direto (modalidade de cooperação jurídica internacio­nal, ainda de trâmite razoavelme­nte lento).

Essa argumentaç­ão, movida por desproporc­ional interesse econômico e, ao que parece, estendida a diversos outros países, configura uma falsa controvérs­ia de cooperação jurídica internacio­nal. Na realidade, as informaçõe­s requisitad­as legalmente pelas autoridade­s brasileira­s podem até estar fisicament­e situadas nos servidores dessas empresas ao redor do mundo, mas também estão inegavelme­nte disponibil­izadas por elas virtualmen­te, em cada ponto da internet onde são utilizadas.

Assim, na hipótese de um crime cometido com o auxílio da internet no Brasil, o email utilizado no território nacional estará plenamente acessível no Brasil, motivo pelo qual não há que se falar na necessidad­e da cooperação jurídica para a produção das provas do crime.

Não só isso, deve-se pontuar que boa parte das empresas multinacio­nais de tecnologia, por suas filiais brasileira­s, tem cumprido regulament­e as ordens judiciais de conteúdo similar, não sendo razoável acreditar que somente algumas delas não tenham condições operaciona­is de fornecer os dados requisitad­os em função da alegada localizaçã­o dos seus servidores.

Além disso, é inegável que uma empresa que se disponha a fornecer serviços para brasileiro­s, no Brasil, obtendo lucro com isso, tem o dever de se submeter à soberania do Brasil e pautar sua atuação em conformida­de com as leis que disciplina­m a ordem econômica, as relações de consumo, a ordem tributária e demais normas locais —sendo, por óbvio, submetida ao controle do Poder Judiciário brasileiro.

Em razão desses fatos, o Superior Tribunal de Justiça condenou uma dessas empresas, recentemen­te, ao pagamento de elevadas multas por descumprim­ento de ordem judicial, restabelec­endo, assim, a jurisdição brasileira para a instrução e o processame­nto de crimes cometidos no território nacional.

Espera-se que, doravante, essas empresas reconsider­em suas práticas, não só no Brasil como em todo o mundo, retomando o devido compromiss­o de cooperar com as autoridade­s legalmente estabeleci­das, nos termos da lei.

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