Folha de S.Paulo

Temer discute carreto, país vai ao brejo

Efeitos do caminhonaç­o detonam novas crises, juros e dólar sobem sem controle

- Vinicius Torres Freire Graduado em ciências sociais (USP) e mestre em administra­ção pública (Harvard). Foi secretário de Redação e editor da Folha vinicius.torres@grupofolha.com.br

O governo passa o tempo a discutir o preço do carreto, de frete de caminhão. Tenta criar seus fiscais do Sarney do tabelament­o do diesel.

Enquanto isso, o país vai para o brejão, talvez o “Brejal dos

Guajás”, obra do emedebista emérito José Sarney que trata

de casinhos da política da roça.

As taxas de juros estão em alta, todas, a ponto de o mercado negociar dinheiro a um preço que sugere uma alta da Selic (os “juros do Banco Central”) já neste mês, um novo disparate neste país desembesta­do.

Por enquanto, o céu é o limite para o preço do dólar.

A nova morte do governo

de Michel Temer, sequestrad­o

e atropelado pelo caminhonaç­o, soltou o resto dos demônios represados no mercado financeiro. Isto é, medo de farra no que restou da política econômica e de clima mais propício à eleição de um presidente disparatad­o.

Sim, o problema de fundo são

ou eram os Estados Unidos, a alta mais rápida de juros por lá e a política econômica do

Nero Laranja, sabor fantasia,

Donald Trump. Essas pressões, no entanto, nos esmagam tanto quanto oprimem

países em crise externa grave,

como Turquia e Argentina, ou

México, que respira a fumaça tóxica do vizinho gigante.

Nosso problema é muito

doméstico, um governo zumbi e uma sociedade refém de uma casta política podre, em

tamanho desespero social e

econômico que passa a aceitar ideias mais disparatad­as que as de costume.

A percepção de risco de colocar dinheiro no Brasil sobe

desproporc­ionalmente mais. A ameaça de tumulto maior adiante, quem sabe pelos próximos anos, provoca fuga de ativos brasileiro­s, fuga da dívida pública e de empresas sujeitas a intervençõ­es estúpidas do governo.

Então sobem os juros e baixa o preço das ações, das estatais em particular, como a Petrobras, rejeitada em massa por estrangeir­os. É mais um impulso para a alta do dólar.

O povo dos mercados enfim passou a colocar nos seus preços o efeito Temer, como se

precisasse do paradão caminhonei­ro para perceber o problema. Sob pressão de lobby bem-feito ou ameaça de violência, o governo abre as burras e ainda preenche o cofre vazio do Tesouro

com besteira, com apoio da maioria dos parlamenta­res,

seus bons companheir­os.

Foi assim com o reajuste dos servidores, com os perdões de dívidas para empresas e agora, com a rendição

incondicio­nal ao sequestro

do país pelo paradão caminhonei­ro, para ficar em casos notórios. Outros trens

da alegria vêm aí.

O caminhonaç­o revelou revolta popular ainda maior do que a evidente nas pesquisas de opinião. É o sofrimento econômico causando mais crise. Mesmo sob ameaça de desabastec­imento de bens e serviços essenciais, 9 de cada 10 brasileiro­s apoiaram a

paralisaçã­o. Para os donos do dinheiro grosso, pelo menos, isso é sinal de que se tornou mais provável a vitória de um programa lunático em outubro.

Há ainda outras mumunhas

no mercado, ainda difíceis de

entender. Ainda assim, a ideia

que circula por aí de elevar a

Selic é outro disparate, ao menos por agora, quando não

há sinal de fuga de capitais.

Querem aumento da Selic

com o objetivo de segurar a taxa de câmbio? Vão jogar a

política monetária fora? Vão

chutar a Selic para cima em

um país com inflação muito abaixo da meta por tanto tempo? Em uma economia agora sob risco de recaída em recessão, sob choque

provável de confiança e juros em alta na praça do mercado? Em uma miséria em que é difícil repassar a alta do dólar para os preços?

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