Folha de S.Paulo

Marina sem rede

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A ex-senadora Marina Silva (Rede) tornou célebre, há tempos, o contrapont­o entre o aspecto pragmático da atividade política e aquilo que, segundo seu vocabulári­o, correspond­eria ao lado “sonhático” de sua própria trajetória como militante ambientali­sta.

Pré-candidata à Presidênci­a da República, que já disputou outras duas vezes, ela reapresent­ou, na sabatina realizada nesta quinta (24) por Folha, UOL e SBT, o lado utópico sem extremismo a que sua figura continua associada.

No que tange à gestão da economia, por exemplo, não se mostrou radicalmen­te contrária às reformas previdenci­ária e trabalhist­a —discordand­o, aqui e ali, de alguns dispositiv­os mais indigestos.

Foi mais enfática em sua condenação ao congelamen­to, por até 20 anos, das despesas orçamentár­ias federais, que na prática tende a impedir a expansão de programas em educação, saúde e segurança. Admitiu, no entanto, que os gastos exigem rígido controle.

Pode-se situar sua candidatur­a em uma oposição moderada ao governo Michel Temer (MDB).

Obviamente crítica das fragilidad­es do Planalto no plano da ética e da sustentaçã­o social, a postulante da Rede mostrou-se, como se sabe, a favor do impeachmen­t da petista Dilma Rousseff e não manifesta nenhuma complacênc­ia com a sorte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministra.

A própria bandeira ambientali­sta, nas mãos de Marina Silva, não se agita contra o agronegóci­o: a própria necessidad­e de integração do Brasil aos mercados internacio­nais impõe, como assegura a précandida­ta, um respeito crescente às normas da sustentabi­lidade.

Como ocorre com qualquer outro postulante que se exclui dos arranjos fisiológic­os em vigor, a retórica marinista esbarra na questão de como obter apoio parlamenta­r para seu eventual governo.

A tese, com terminolog­ia habitualme­nte vaga nesse gênero de respostas, é a de que seria necessário “dialogar com a sociedade” e construir apoios interparti­dários “em termos programáti­cos”.

O “novo”, aqui, parece frágil: fruto, sem dúvida, de uma atuação política que, com hora marcada para aparecer nas disputas presidenci­ais, carece de empenho na construção gradual de um partido e de bases na sociedade civil.

À Rede Sustentabi­lidade, ironicamen­te, falta uma rede de sustentaçã­o: talvez nisso a candidatur­a Marina se mostre ainda “sonhática”, apesar dos cuidados que permeiam todo o seu discurso.

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