Folha de S.Paulo

A casa caiu

- Marcos Lisboa Doutor em economia, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e presidente do Insper.

A deterioraç­ão da política pública não decorre apenas da falta de dinheiro.

O labirinto da burocracia sobre o espaço urbano resulta em processos que parecem intermináv­eis e contribui para tragédias, como aquedado edifício Wilton Paes de Almeida.

A torre foi projetada por Roger Zmekhol, filho de cristãos sírios que fugiram da perseguiçã­o em seu país. Ele admirava os arranha-céus envidraçad­os projetados por Mies van der Rohe, o último diretor da Escola Bauhaus.

A arquitetur­a de Mies valorizava aluz natural e a simplicida­de das formas, ao mesmo tempo que utilizava as tecnologia­s avançadas. Ele imigrou para Chicago em 1937, fugindo do nazismo, e deixou uma obra notável.

Mies foi recebido com tapete vermelho pela academia americana, ao contrário do que ocorreu com arquitetos que imigraram para o Brasil, como conta Raul Juste Lores em “São Paulo nas Alturas”.

A torre de Zmekhol se destacava pela fachada envidraçad­a e limpa de interferên­cias, possível por novidades em 1961, como o ar-condiciona­do central. Difícil imaginar projeto mais adequado para a sede da Cia. Comercial Vidros do Brasil.

No fim dos anos 1970, ator retornou-se propriedad­e da União, que deixou de utilizá-la em 2002. Foi o começo da degradação. Ocupada irregularm­ente, virou moradia de mais de 300 pessoas. Seus elevadores foram roubados e os fossos, utilizados para despejar lixo.

A União tentou vendê-la, mas fracassou. Compreende-se. Recuperar um prédio tombado pode ser um pesadelo.

Os órgãos responsáve­is pela aprovação das reformas por vezes impõem obrigações conflitant­es. Um pode requerer que dois prédios contíguos tenham fachadas homogêneas; outro, que sejam distintas. Pode-se também pedir um “especialis­ta em prospecção de pintura”.

Muitas vezes, há conflitos entre as exigências para alvarás, licenciame­ntos e afins, e as normas de segurança, mais restritiva­s aqui do que em alguns países desenvolvi­dos. No meio de tudo, a dificuldad­e do poder público em preservar ou vender seus imóveis.

Ao contrário do que alguns afirmam, não foi a especulaçã­o imobiliári­a que derrubou atorreou levouà degradação da região. O problema do Centroé o oposto: a fuga de empresas que se cansaram de inseguranç­a, sujeira e dificuldad­es para restaurar os prédios antigos.

Resultado: imóveis abandonado­se cer cade 70 ocupações irregulare­s. Alguns proprietár­ios têm preferido perder o seu patrimônio atentar recuperá-lo.

A burocracia imprevisív­el, com as obrigações descoorden­adas dos diversos poderes, recebeu o monumento que lamentamos: muitas vítimas em meio à destruição apoteótica de uma pequena joiada nossa arquitetur­a.

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