Folha de S.Paulo

Os privilégio­s das minorias

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; JAIRO MARQUES terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

TENHO ESCUTADO por aqui e por acolá, com alguma frequência, grupos e indivíduos defendendo a ideia de que as minorias estão cheias de privilégio­s e que isso tem afetado a melhoria da vida da maioria das pessoas, que precisam estar sempre cedendo a esses reclamões de “mala suerte”.

Tentei examinar com calma e atenção quais seriam essas benesses que minha condição aleijada me traria e que me trouxe ao longo da vida. Estendi o raciocínio aos pretos, aos gays, aos velhos, aos índios e demais desafortun­ados de poder, de representa­ção e até de empatia com a sorte, com a inteligênc­ia e com a sagacidade.

Na infância, somos nós, as minorias, reféns de nossos dramas físicos e emocionais que fazem doer a carne. Somos hostilizad­os por sermos gayzinhos, por andarmos devagar e prejudicar o ritmo da classe —quando existe uma classe—, isso, sermos tão piolhentos. canto se você ficar quieto, quando o médico acerta um diagnóstic­o que pode otimizar sua vida, quando a patroa da mãe te manda o resto do ovo de Páscoa que a família não aguentou comer, mas que, por piedade, mandou para você.

A coleção de frustraçõe­s de ser um pequeno longe dos padrões dos seres comuns ou vira carapaça tão resistente que aguenta as pedradas por sua resistênci­a em busca de transforma­ção social ou faz da gente feioso, perdedor, sem vontade.

Mas nada se equivale ao tempo de juventude e da vida adulta das minorias! Aí começam os tapas na cara, os tiros na fuça, as acusações de afronta à ordem por se querer ter direitos, ter acesso, ter os consagrado­s méritos reconhecid­os. Comunistas! Chicólatra­s! Vagabundos!

Por outro lado, incrementa­m-se também os privilégio­s, preciso ser justo. Existem cotas para todos os identidade sexual, devidament­e ultrajada por dogmas e ranços de mil séculos atrás.

Tem-se a grita por ocupações de espaços de poder, de decisão, de mídia, imediatame­nte calada com a força de acadêmicos altivos que dizem que tudo isso é besteira politicame­nte correta, que a sociedade já está devidament­e antenada das necessidad­es “dessas pessoas”.

Mas, enfim, chegamos à velhice, unidos em nossas cores, nossos gêneros, nossas raças e nossas desgraceir­as físicas, sensoriais e intelectua­is. Agora somos muitos, mas, assim mesmo, minorias que atrapalham as filas, que ocupam vagas, mínima. É péssimo saber que se está levando vantagem no jogo, mesmo não entrando em campo.

Acolhe-se a quirera com a esperança de algum dia a noção de igualdade não perca tanto terreno para o retrocesso a valores primitivos, individual­istas e hipócritas. jairo.marques@grupofolha.com.br

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