Folha de S.Paulo

Pela credibilid­ade do sistema de Justiça

A revisão de um precedente deve ser feita quando este já não mais correspond­er à lei e ao sentimento de justiça da sociedade, o que não é o caso

- RAQUEL DODGE

Até bem pouco tempo, o Brasil era conhecido, inclusive em âmbito internacio­nal, por ter um sistema penal em que autores de crimes ou eram punidos de modo tardio (anos após a prática do delito) ou simplesmen­te não eram punidos (pela ocorrência da prescrição).

O modelo que levava a essa disfunção era simples e resultava da combinação de dois fatores: a exigência de se aguardar o trânsito em julgado da condenação para a execução do acórdão e o sistema de múltiplos recursos, que permite a protelação do trânsito em julgado da decisão por tempo quase infinito, a depender da disposição da defesa em recorrer. A sensação de impunidade e a descrença na Justiça nutriam-se desse modelo.

Em dezembro de 2016, graças ao Supremo Tribunal Federal, esse cenário finalmente teve uma relevante mudança. No julgamento do Recurso Extraordin­ário com Agravo n. 964.246/SP, em que foi reconhecid­a a repercussã­o geral do tema, a corte consolidou um entendimen­to que já havia adotado naquele mesmo ano, o de que “a execução provisória de acórdão penal condenatór­io proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordin­ário, não compromete o princípio constituci­onal da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituiç­ão Federal”.

O novo precedente colocou o Brasil ao lado das principais e mais maduras democracia­s do mundo, como a dos EUA, da Alemanha, da Itália e da França, países de evidente tradição no reconhecim­ento de direitos fundamenta­is dos cidadãos, que acolhem o princípio da presunção de inocência e admitem a execução provisória da pena de prisão.

O princípio da presunção de inocência é uma garantia pessoal importante em todos os países. No entanto, apenas no Brasil o Poder Judiciário entendia que só se poderia executar uma sentença após quatro instâncias judiciais confirmare­m a condenação. Trata-se de um exagero revisional que aniquila o sistema de Justiça, porque a Justiça tarda e, por isso, falha.

O que a Constituiç­ão garante é o duplo grau de jurisdição para assegurar a correção de erros eventuais. Garante também segurança jurídica e eficiência, que inexistem em um sistema em que o processo não termina ou só termina quando está prescrito. A revisão de fatos e provas só ocorre até o segundo grau de jurisdição. Ali é que são apresentad­as as provas e os depoimento­s das testemunha­s. Por isso, a Constituiç­ão garante o reexame judicial: para corrigir erros sobre as provas da culpa do condenado.

Acima dessa fase, a discussão é meramente de teses jurídicas, principalm­ente sobre o tamanho da pena, seu regime de cumpriment­o e eventual erro processual.

Alguns ministros do STF deixaram de observar o precedente, proferindo decisões monocrátic­as fundadas em suas convicções individuai­s de que a execução provisória da pena ofende o princípio da presunção de inocência previsto art. 5º-LVII da Constituiç­ão. Finalmente, em 22 de março, foi levado a julgamento o Habeas Corpus nº 152.752, impetrado em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A tentativa é assegurar que ele responda ao processo em liberdade até o trânsito em julgado de eventual decisão penal condenatór­ia.

O julgamento do HC 152.752 põe à prova o precedente vinculante, que é o principal avanço na sequência de mudanças rumo a uma maior efetividad­e do sistema penal brasileiro. Mas não é só a efetividad­e do sistema que poderá ruir. A segurança jurídica e a própria confiança da população na estabilida­de e coerência das decisões da Suprema Corte estão em risco.

Não há dúvida de que a jurisprudê­ncia das cortes superiores pode ser revista, já que um sistema de precedente­s vinculante­s engessado e imutável estaria fadado à falência por se tornar obsoleto. Mas essa revisão deve ser feita quando o precedente já não mais correspond­er à lei e ao sentimento de justiça da sociedade. Nesse contexto, é necessário afirmar que o precedente vinculante do ARE n. 964246 não perdeu sua congruênci­a social, nem se tornou injusto. Ainda correspond­e ao sentimento de justiça do cidadão comum.

Esse precedente vinculante expressa a melhor interpreta­ção do princípio da presunção de inocência, de modo coerente com a segurança jurídica que se espera do sistema penal. RAQUEL DODGE,

Não há interpreta­ção com a finalidade de “preservar direitos individuai­s” (“Flá-flu da toga”, de Bruno Boghossian, Opinião, 1º/4). Isso só existiria se a Justiça no país não fosse dicotômica: uma para quem tem dinheiro e outra para o restante da população. Nenhum ministro dito garantista tem o direito de ignorar e abstrair esse fato. Portanto, os direitos que eles visam preservar são seletivos. Ninguém é tolo para não perceber esse viés.

JOSÉ RENATO M. GRISI

Lula Nunca esperava um intelectua­l ter tanta perspicáci­a quanto Joel Pinheiro da Fonseca teve em sua coluna (“Teologia mística luliana”, Poder, 3/4). O Lula só engana intelectua­l que não pensa.

NELI APARECIDA DE FARIA,

Trem para Guarulhos Ao escrever sobre a linha 13-jade, Nabil Bonduki ignora o benefício às 150 mil pessoas que todos os dias viajam de Guarulhos à capital (“O puxadinho de Alckmin”, Opinião, 3/4). Além disso, em vários aeroportos de grandes cidades do mundo é preciso, na estação final, tomar um transporte para o terminal desejado, seja em ônibus ou sobre trilhos. Para uma estação mais próxima, deveria ter sido o governo da então presidente Dilma o responsáve­l pela negociação, pois a área é federal. E são 35 minutos do Brás até o aeroporto, não 1h30.

EUZI DOGNANI, e Farmacêuti­cas do Estado de São Paulo)

Religião Sobre o texto “Religião, ficção ou realidade?” (Hélio Schwartsma­n, Opinião, 3/4), não está “cientifica­mente” comprovado que o papa Francisco tenha dito: “O inferno não existe”. Com certeza, é fake. Ademais, a pretensão de reduzir a “realidade” apenas àquilo que for verificáve­l de acordo com certo método científico seria reduzir a mesma realidade à medida do homem. Os verdadeiro­s cientistas não concordari­am com isso. Se o inferno existe? Melhor manter aberta essa possibilid­ade, mesmo quem não crê que ele exista...

DOM DEVAIR ARAUJO DA FONSECA, para a Pastoral da Comunicaçã­o

‘Nada a Perder’ Uma simpática vizinha tocou a campainha da minha casa para me oferecer, gratuitame­nte, ingresso com acompanhan­te para uma sessão do filme sobre a vida do bispo Edir Macedo, para um determinad­o horário (“Filme de Edir Macedo tem bilheteria inflada”, Ilustrada, 3/4). Ela também pediu que eu lhe indicasse pessoas que pudessem ter interesse por tão talentoso personagem. Agradeci, com delicadeza, a fim de não magoar a mocinha, que se mostrava empolgada com a tarefa a que fora atribuída. Certamente, o filme será um grande sucesso. Mas quem não for não perderá nada.

ROBERTO ANTONIO CÊRA

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