Folha de S.Paulo

Príncipe herdeiro saudita acena a Israel com reconhecim­ento

Contra corrente regional, MBS diz que país tem direito de existir

- CLÓVIS ROSSI

FOLHA

O príncipe saudita Mohammed bin Salman defendeu o direito de Israel de existir e foi além: insinuou o estabeleci­mento de relações diplomátic­as entre seu reino e o Estado judaico, até há pouco inimigos quase existencia­is.

“Acredito que cada povo, em qualquer parte, tem o direito de viver em sua pacífica nação; acredito que os palestinos e os israelense­s têm o direito de ter a própria terra”, disse MBS, como é conhecido o príncipe herdeiro e governante “de facto” da Arábia Saudita, a The Atlantic.

Na entrevista à revista americana, publicada nesta segunda (2), o príncipe foi simpático em relação a Israel: “É uma grande economia, comparada com a dimensão do país, e é uma economia em cresciment­o. É natural que haja interesses que compartilh­amos com Israel”.

MBS condiciono­u o restabelec­imento de relações a um acordo de paz entre Israel e os palestinos, no que reitera o ponto central do plano de paz que os sauditas apresentar­am em 2002.

No essencial, o plano previa a devolução aos palestinos de território­s ocupados por Israel, em troca da normalizaç­ão das relações do mundo árabe com Israel.

A novidade é o reconhecim­ento do direito à existência de Israel quando está cada vez mais distante a hipótese de acordo com os palestinos.

Israel está tecnicamen­te em guerra com dois de seus quatro vizinhos (Síria e Líbano) e só tem acordos de paz com Egito e Jordânia.

Todos os demais países árabes se consideram inimigos de Israel. Como a Arábia Saudita lidera significat­iva parte do mundo árabe-muçulmano, uma aproximaçã­o com Israel mudaria no mínimo a retórica —em geral inflamatór­ia— no relacionam­ento com esse mundo.

A entrevista de MBS parece provocada pela ofensiva saudita contra o Irã, rival religioso e regional da Arábia Saudita. O príncipe disse à revista que o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, faz “Hitler parecer bom”.

O Irã é, no momento, inimigo existencia­l de Israel. Seus líderes com frequência apontam o desejo de destruir o Estado judaico.

Os sauditas são, na maioria, sunitas, ao passo que o Irã tem maioria xiita —os dois grandes ramos do islã.

O Irã é considerad­o radical no Ocidente por ser uma teocracia, mas a Arábia Saudita não é menos ditadura nem menos inclinada ao radicalism­o. A doutrina citada como oficial da Arábia Saudita é o wahabismo, baseado nos ensinament­os radicais de Muhammad ibn Abd al-Wahhab (1703-92). É apontada como uma das principais influência­s do terrorismo islâmico.

Além de se aproximar de Israel, o príncipe Salman pretende mudar essa imagem, conforme declarou a investidor­es em outubro: “Estamos retornando ao que éramos antes, um país de islamismo moderado e aberto a todas as religiões e ao mundo”.

O aceno a Israel se encaixa à perfeição na promessa. Se levado adiante, muda a geopolític­a de uma das regiões mais explosivas do planeta.

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