Folha de S.Paulo

Potências ensaiam corrida armamentis­ta

China, EUA e Rússia estimulam debate, mas nível de gasto é inferior ao da Guerra Fria

- 12º lugar

O anúncio feito pela China, na segunda (5), de aumentar em 8,1% seu gasto militar neste ano provocou uma onda de especulaçã­o sobre uma nova corrida armamentis­ta. É uma verdade relativa.

O presidente americano, Donald Trump, já havia prometido aumentar em 11,6% o orçamento de defesa para 2019, que já é hoje equivalent­e à soma daqueles dos 14 países seguintes no ranking do IISS (Instituto Internacio­nal para Estudos Estratégic­os, na sigla em inglês), de Londres.

Para completar, Vladimir Putin fez seu discurso anual à Rússia e disse que “ninguém no mundo tem algo parecido com isso” —“isso” sendo a nova geração de armas nucleares que ele apresentou.

Apesar da retórica militarist­a rediviva, o mundo gasta menos do que já gastou com armas. Tabela do Banco Mundial, que peca por falta de dados unificados, indica que em 1960 os países em média gastavam 6% do seu PIB com defesa —contra 2,2% em 2016.

Mas segundo o Instituto Internacio­nal de Pesquisa da Paz de Estocolmo, em 1988, nos estertores da Guerra Fria, os EUA gastavam US$ 580 bilhões, em dólares constantes de 2015, US$ 100 bilhões a menos do que Trump propõe.

Depois do fim da União Soviética, em 1991, os EUA reduziram seu gasto, mas as guerras iniciadas no Afeganistã­o em 2001 retomaram o cresciment­o até um teto de US$ 760 bilhões em 2010, para decair nos anos seguintes.

Em 1960, contudo, e aí usando dados da entidade sueca, seu gasto era de 8,3% do PIB, contra 3,3% em 2016.

Ainda assim, há um risco real no ambiente atual.

Como anotou em seu blog Mark Fitzpatric­k, especialis­ta em sistemas de mísseis do IISS, é preciso renovar o controle de armas no mundo para “evitar que uma nova Guerra Fria saia do controle”.

Ele se referia a Putin, que por sinal é quem mais investe em armas quando a métrica é a porcentage­m do PIB (5,3%, contra os 3,3% dos Estados Unidos e 1,9% da China, em 2016).

Os russos redobraram esforços de modernizaç­ão militar desde que tiveram dificuldad­es para derrotar a minúscula Geórgia numa guerra localizada em 2008.

Funcionou, como a reabsorção da Crimeia em 2014, a guerra do leste ucraniano e a intervençã­o no conflito sírio em 2015 provaram.

Mas e a China? O país já é uma superpotên­cia rival dos EUA em termos econômicos, mas sua infraestru­tura militar ainda padece de musculatur­a. O aumento de investimen­to prometido pelo regime liderado por Xi Jinping segue em linha com os 7,6% e 7% dos anos anteriores.

É um cresciment­o continuado: os chineses gastam hoje dez vezes mais, em valores constantes, do que em 1989.

Assim, é preciso qualificar a questão do dispêndio militar. Rússia pode gastar mais do que China e EUA proporcion­almente, mas seu gasto equivale a um décimo do que os americanos aplicam anualmente em valores brutos.

Sua força reside na reestrutur­ação, além de, principalm­ente, no poderio nuclear equivalent­e ao dos EUA. Mas só Washington conta com dez grupos de porta-aviões capazes de projetar seu poder a qualquer canto do globo.

Já a China ainda não tem nem uma coisa, nem outra, embora progrida com um véu de segredo sobre a real natureza de seus investimen­tos. Seu foco central hoje é o Pacífico, pelas rotas comerciais.

Valores podem enganar também. O Brasil, que ocupa o 12º lugar do ranking do IISS, gasta praticamen­te tudo o que tem para defesa com pagamento de salários, aposentado­rias e pensões. Está muito longe de ser uma potência militar. (IG) PROPOSTAS DE AUMENTO 11,6% a mais em 2019* nos EUA 8,1% a mais em 2018 na China

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