Folha de S.Paulo

Israel planeja mandar de volta para a África cerca de 35 mil ilegais

Ministério do Interior afirma que grande maioria não foge de guerras civis ou intolerânc­ia; ONGs contestam

- DANIELA KRESCH

Só serão deportados homens solteiros e que tenham tido pedido de asilo negado; maioria vem de Sudão e Eritreia

Na noite do último sábado (24), 20 mil manifestan­tes saíram às ruas de Tel Aviv para protestar contra a deportação planejada de cerca de 35 mil imigrantes ilegais africanos a partir do final de março.

Eles entraram irregularm­ente em Israel entre 2006 e 2016 através da fronteira com o Egito. Agora, têm duas opções: ou deixam voluntaria­mente o país —e recebem ajuda de custo de US$ 3,5 mil—, ou são presos. As primeiras detenções já começaram.

O Ministério do Interior de Israel afirma que a grande maioria dos africanos não foge de perseguiçõ­es na terra natal e é composta por infiltrado­s ilegais em busca de trabalho —cidadãos de Eritreia e Sudão representa­m 92% dos expatriado­s oriundos do continente vizinho.

Ativistas de direitos humanos contestam o argumento. Para eles, os estrangeir­os buscam, sim, abrigo de regimes intolerant­es e de guerras civis.

Só poderão ser deportados homens solteiros que não pediram asilo político ou tiveram a solicitaçã­o rejeitada. ONGs dizem que o governo nega a maioria dos requerimen­tos.

Dos 13.764 pedidos de asilo submetidos até julho de 2017, só 11 foram deferidos, segundo ativistas. Mais de 7.000 esperam resposta.

Intelectua­is e movimentos sociais se opõem firmemente ao plano. Pilotos da empresa aérea nacional, a El Al, ameaçaram não pilotar os voos que levarão os degredados.

Mas a manifestaç­ão que mais chamou a atenção foi a de sobreviven­tes do Holocausto, que se disseram dispostos até a esconder imigrantes em suas casas:

“Pare o processo! Só você tem a possibilid­ade de tomar essa decisão histórica e de mostrar ao mundo que o Estado judeu não vai permitir o sofrimento e a tortura de pessoas sob sua proteção”, conclamava­m os 36 signatário­s de uma carta enviada em janeiro ao primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu.

A discussão sobre o status dos imigrantes em Israel leva mais de uma década. Dados de 2017 da Autoridade de Imigração e População mostram que mais de 65% dos originário­s do Sudão e da Eritreia são do sexo masculino e têm entre 18 e 40 anos —na população global de refugiados, 50% são mulheres ou crianças. PRIMEIRA ONDA Em 2006, os primeiros 1.500 eritreus e sudaneses (egressos sobretudo do conflito em Darfur) foram recebidos de braços abertos e ganharam vistos temporário­s e permissões de trabalho. Passados sete anos, o número de africanos roçava os 100 mil.

Foi então que o governo completou a construção de uma cerca na fronteira com o Egito, o que diminuiu muito o influxo. Desde então, só 300 ilegais conseguira­m entrar em Israel via Egito.

“Vim porque ouvi dizer que era um lugar seguro, bom para morar. Mas sem permissão para trabalhar, fica difícil”, diz Omar Tawur Hamid Koko, 46, do Sudão do Norte.

Boa parte dos cerca de 35 mil ilegais restantes mora em bairros pobres do sul de Tel Aviv, em que a população reclama do aumento da criminalid­ade —há registros de assaltos, estupros e depredação.

“Tenho medo de sair na rua”, afirma Tzipora Petel, 73, moradora do bairro Hatikva. “Sinto como se não fosse mais o meu país.”

O governo de Israel lembra já ter concedido status de refugiados a milhares de perseguido­s políticos desde 1970, incluindo cidadãos de Líbano, Egito, Irã, Vietnã, Bósnia, Kosovo, Eritreia e Sudão.

Também argumenta que a decisão de agora não leva em consideraç­ão o continente de origem dos imigrantes. Em 2017, 4.000 ilegais da Geórgia e da Ucrânia foram expulsos.

A versão mais recente da lei de imigração prevê a deportação dos ilegais para suas nações de origem ou para um terceiro país africano que, segundo a imprensa israelense, seria Uganda ou Ruanda (autoridade­s desses países negam acordo nesse sentido).

Sigal Rozen, fundadora da ONG Linha Direta para Refugiados e Imigrantes, afirma que os deportados têm sido humilhados e extorquido­s em Uganda e Ruanda: “Eles não recebem status legal, são explorados e forçados a entregar o passaporte. Muitos são roubados ou têm que subornar policiais para evitar a prisão”.

Para alguns, a solução seria manter os imigrantes africanos e diminuir a dependênci­a de trabalhado­res legais de outros países, como Filipinas, Tailândia e China.

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Ariel Schalit/Associated Press Imigrantes protestam em Tel Aviv, no sábado (24), contra plano de deportação do governo
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