ANÁLISE Transformação de líder em ‘imperador vermelho’ desafia Ocidente e o Brasil
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
O Partido Comunista Chinês propôs o fim do limite de uma reeleição para presidente e vice no país, abrindo uma brecha para que o atual dirigente, Xi Jinping, continue no poder indefinidamente.
A informação foi divulgada neste domingo (25) pela agência estatal de notícias Xinhua. A sugestão feita pelo Comitê Central do partido é de que seja retirado da Constituição o trecho segundo o qual os dois líderes máximos da ditadura “não irão servir mais do que dois mandatos consecutivos”.
Oficialmente, a medida ainda precisa ser aprovada pelo Parlamento chinês, mas o órgão é controlado pela legenda, ou seja, não deve haver empecilhos para isso.
Desde que chegou ao poder, em 2012, Xi vem liderando uma reforma na sigla que comanda o regime autoritário chinês. Um dos eixos dessa iniciativa é uma campanha anticorrupção que resultou em varredura ampla nas fileiras partidárias, com punições a 1,4 milhão de filiados e processos abertos contra 54 mil.
O dirigente deve ser reeleito no próximo dia 5 para um segundo mandato, que vai até 2023. Pela regra atual, teria de se aposentar depois desse quinquênio.
Se a Constituição for de fato emendada, Xi poderá se manter no cargo, dotado de importância mais simbólica do que qualquer outra coisa, já que é o secretário-geral dos comunistas quem comanda o país na prática.
Ocorre que, desde o início dos anos 1990, convencionou-se que a mesma pessoa ocupe as duas posições —não há limite de reeleição para o secretário-geral, mas, nas últimas três décadas, ninguém ficou mais do que dez anos.
É esse o caso de Xi, que acumula os dois cargos, tendo sido reeleito para comandar o partido no Congresso da sigla, em outubro passado. Na ocasião, ele mostrou ser o líder chinês mais poderoso desde Deng Xiaoping, nos anos 1980: teve seu nome e sua tese política incluídos na Carta da sigla, uma deferência que seus antecessores mais imediatos no cargo não tinham recebido.
Durante o congresso comunista, Xi dera sinais de que pretendia se manter no poder para além dos dois mandatos constitucionais ao
A decisão do Partido Comunista Chinês de propor a manutenção indefinida no poder de seu líder, Xi Jinping, explicita um movimento que vinha ocorrendo nos últimos anos e devolve à ditadura de Pequim o caráter imperial.
A mudança traz imensos desafios políticos ao Ocidente, Brasil extraordinariamente incluso na equação. Por maior que seja a insignificância diplomática de Brasília, o país ainda é a letra B num bloco político-econômico liderado pela China, o Brics.
Não é um grupo coeso. Cada um de seus integrantes tomou um caminho distinto desde seu estabelecimento, em 2006, por Brasil, Rússia, Índia e China (o S só passou a representar a inicial inglesa de África do Sul em 2011).
O denominador, contudo, é o peso chinês. O PIB do país voltou a crescer em 2017 em relação ao ano anterior.
Os chineses são os maiores parceiros comerciais do Brasil e apostam em infraestrutura local. Tudo isso se encaixa na visão de Xi, tornada política oficial no ano passado, de que o antigo “Império do Meio” precisa expandir suas fronteiras de influência.
A iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada, que visa criar corredores de trocas comerciais e de investimento estrutural, visa executar o plano.
A consolidação final do poder de Xi, propondo a abolição das amarras constitucionais que restringiram os movimentos personalistas de seus dois antecessores, sugere uma execução mais vigorosa de suas intenções.
Num momento isolacionista dos EUA sob Donald Trump, o próximo presidente brasileiro provavelmente terá de fazer opções de alinhamento político complicadas. Mais do que nunca, o caráter repressivo da ditadura chinesa será questionado.
Por óbvio, isso vale também para Washington e para o resto do Ocidente, que alimentou feliz o panda gigante abarrotado de mão-de-obra barata e consumidores cada vez mais ávidos. A hipocrisia sempre foi a régua para determinar os limites, e isso vem dos anos 1970, quando Richard Nixon abraçou Mao Tsé-tung para quebrar a retaguarda da União Soviética.
O dinheiro falou mais alto nas décadas seguintes, apesar de soluços constrangedores como o massacre da praça da Paz Celestial em 1989 — que, de todo modo, abriu caminho para as restrições de poder que agora cairão.
Os soviéticos viraram história, e a Rússia de Vladimir Putin hoje é o R dos Brics, bastante interligada a Pequim. Boa parte da tecnologia militar chinesa tem como ponto e origem material russo, e ambos os países já fizeram juras de auxílio mútuo na área de hidrocarbonetos.
Há desconfianças mútuas, claro. Resta saber se Xi pode inspirar Putin, que até aqui sempre jogou dentro das regras constitucionais e deverá ser eleito para um último mandato no mês que vem.
Com Xi tornando-se um “imperador vermelho” no estilo de Mao e Deng Xiaoping, essa volta ao século 20 será contraposta à realidade. Por mais que seja feroz no controle da internet, o regime não tem como isolar totalmente seu 1,4 bilhão de habitantes do resto do mundo.
Demandas sociais por mais liberdade virão, gerando pressões contraditórias a desafiar Xi, de resto hoje líder incontestável após uma série de expurgos. Uma hora o equilíbrio sob tensão desmorona, e aí será a vez de o Ocidente decidir se vai proceder apenas utilizando o cérebro que guarda no bolso.
Isso se a crescente expansão das capacidades militares chinesas não levar o império emergente a embate direto com os Estados Unidos.