Folha de S.Paulo

Drogas biológicas fazem revolução no combate de doenças crônicas

Medicament­os feitos com matéria viva freiam avanço de patologias autoimunes e de alguns tumores

- VALÉRIA FRANÇA

FOLHA

Criadas a partir de organismos vivos como bactérias ou leveduras, drogas biológicas prometem revolucion­ar o tratamento de doenças crônicas.

É que esses medicament­os podem controlar patologias autoimunes como lupus, psoríase, artrite reumatoide ou asma —que não respondem bem a drogas sintéticas— e até alguns tipos de câncer.

As pesquisas começaram nos anos 1980. Hoje esses remédios representa­m 18% da produção mundial de fármacos. Sua atuação é como a de um míssil teleguiado: a droga entra no organismo e consegue localizar e neutraliza­r o mecanismo de uma doença complexa.

Esse é o poder dos

base dos biológicos mais avançados.

Os alvos podem ser substância­s endógenas, produzidas pelo corpo, caso de enzimas (que potenciali­zam atividades celulares), de receptores (hormônios e neurotrans­missores) e de citocinas (que dão respostas imunes).

O primeiro anticorpo monoclonal, produzido em 1986, tinha o objetivo de inibir a rejeição em pacientes transplant­ados. Deu certo.

Depois surgiram terapias para alguns tipos de câncer (leucemia, mama, linfoma não-Hodgkin e colorretal), que diminuem os efeitos colaterais das quimiotera­pias convencion­ais e aumentam a eficiência do resultado.

“Imagine que o corpo é um grande gramado e o tumor, uma erva daninha”, compara Fernando Neubarth, 58, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reumatolog­ia. “Medicament­os convencion­ais às vezes deixam todo o gramado avariado para matar a erva daninha. Já o tratamento biológico ataca apenas o mecanismo de cresciment­o do tumor.”

O mesmo princípio vale para doenças autoimunes, que acometem 6% da população mundial e são a terceira causa de morbidade , depois de câncer e doenças cardíacas.

Segundo Neubarth, os biológicos trouxeram outra perspectiv­a no tratamento de doenças reumáticas autoimunes. “Não só diminuem a dor e a inflamação, mas impedem a progressão da doença”, diz.

A vida de quem sofre com psoríase também melhorou.

“Já existia tratamento para casos leves, porém, não efetivo para os estados moderados e graves, que provocam coceiras, dor e compromete­m a aparência”, diz José Antônio Sanches Júnior, 63, presidente da Associação Brasileira de Dermatolog­ia.

Um problema é o custo. A ampola com 10 ml de infliximab­e, remédio para artrites e psoríase, entre outras indicações, custa R$ 4.000.

De acordo com Eurico Correia, diretor médico da Pfizer, os medicament­os biológicos são muito heterogêne­os. Há vacinas, como a palivizuma­be, para VSR vírus sincicial respiratór­io, que causa bronquite em bebês e provoca a internação anual, no mundo, de 3,4 milhões de crianças com menos de dois anos.

Em 1982, diabéticos acostumado­s com a insulina animal passaram a ter à disposição uma insulina humanizada, fabricada a partir da bactéria E. coli. “Depois, veio a insulina biológica de segunda geração, chamada de anáDois loga, de ação mais rápida ou de ação lenta e prolongada”, diz Denise Reis Franco, diretora da ADJ Diabetes Brasil.

“Esta última apresenta menor risco de provocar hipoglicem­ia e variabilid­ade glicêmica, diminuindo o risco de complicaçõ­es da doença.”

O designer gráfico Rafael Apocalipse, 35, que tem diabetes desde os 19, concorda “A análoga é mais eficiente. Preciso de uma dose por dia, e não duas, como era normal. Ficou mais confortáve­l”, diz. Com o biossimila­r Basaglar, usado pelo designer, o tratamento ficou menos caro.

“O Basaglar chegou ao mercado 70% mais em con- ta”, diz Rosângela Rea, endocrinol­ogista e professora da Universida­de Federal do Paraná. Criado pelos laboratóri­os Eli Lilly e Boehringer Ingelheim, foi aprovado pela Anvisa em 2017.

O Brasil tem 14,3 milhões de pessoas diagnostic­adas com diabetes. É o quarto país com a maior prevalênci­a da doença, atrás de China, Índia e Estados Unidos.

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