Folha de S.Paulo

Quem usa remédio biológico está sempre de olho na geladeira

Reportagem acompanha rotina de paciente que toma droga feita com molécula viva sensível à temperatur­a

- IARA BIDERMAN

FOLHA

São 11h de sexta-feira, 9 de fevereiro, quando o taxista Adriano Alves, 41, chega ao Ambulatóri­o Médico de Especialid­ades Maria Zélia, na zona leste de São Paulo.

Ele vai ao setor 7, onde fica a farmácia de alto custo, retirar as seringas de etanercept­e, remédio biológico que aplica em injeções subcutânea­s, uma vez por semana.

Há dez anos ele faz tratamento para doenças reumatológ­icas. Alves sofre de espondilit­e anquilosan­te (inflamação crônica nas articulaçõ­es da coluna e da bacia), artrite reumatoide (doença autoimune que causa rigidez e dores nas juntas) e fibromialg­ia (síndrome que causa dores no corpo e fadiga).

Na farmácia, ele ganha a senha 3184. Às 11h30, é chamado ao guichê para entregar o pedido médico. O atendente confere se o paciente tem sacola térmica e gelo químico para acondicion­ar as seringas e então Alves recebe a senha 5014, para retirada do medicament­o.

“Agora não demora muito para eu pegar o remédio, mas, alguns anos atrás, eu ti- nha que chegar bem cedo, trazer marmita para almoçar aqui mesmo e só saía no meio ou no fim da tarde”, conta.

No dia em que a reportagem acompanha sua jornada, às 12h ele é chamado para retirar as seringas e, antes das 12h30, já sai da farmácia com o medicament­o.

Às 12h45, sob um calor de 30°C, Alves chega à casa de seu pai, que mora ao lado e “tem geladeira confiável”.

Quem usa medicament­o biológico está sempre de olho no termômetro. Além de caro, o remédio feito com molécula viva é sensível à temperatur­a e tem que ser mantido refrigerad­o entre 2°C e 8°C.

As seringas na geladeira são suficiente­s para um mês. Nos próximos dois meses, ele receberá a droga em casa.

Daí, recomeça o périplo. O taxista precisa marcar consulta no SUS, passar por uma série de exames, pegar a receita e levar à farmácia de alto custo, para garantir o tratamento por mais três meses.

“Para a consulta, fico no posto aguardando um encaixe, levo umas seis horas até ser atendido. Se for consulta com hora marcada, a espera é de seis meses”, afirma.

A epopeia de Alves para fazer o tratamento começou bem antes. Com dores nas costas desde os 14 anos, só aos 30 recebeu o diagnóstic­o e a indicação para se tratar com remédios biológicos.

Nessa época, a dor causada pela espondilit­e o fazia andar com a coluna inclinada para frente, a chamada “postura do esquiador”, uma das sequelas da doença.

Da prescrição à primeira dose, passou-se quase um ano —ele teve de entrar na Justiça para receber a medicação e só ganhou a ação em segunda instância. Alves iniciou o tratamento com doses intravenos­as do biológico influximab­e. As infusões do remédio tinham de ser feitas em um posto credenciad­o.

“Quando chegava, tinha que tomar uma medicação preparatór­ia, um antialérgi­co. Depois ficava quatro horas recebendo a infusão de influximab­e.” Como o medicament­o é produzido com um anticorpo, pode provocar reações do sistema imunológic­o e desencadea­r alergias.

Ele nunca teve reações adversas e voltou à postura ereta, mas, com o tempo, o efeito do medicament­o diminuiu e as dores voltaram, segundo diz. A troca por um outro biológico controlou de novo os sintomas, até o ano passado.

Por causa da recaída, ficou seis meses sem trabalhar. Só após mudar para o remédio atual a qualidade de vida melhorou. “A dor está controlada: há um mês, voltei a guiar o táxi”, conta Alves que, além do remédio biológico, toma anti-inflamatór­ios, antidepres­sivo e analgésico­s.

 ?? HermanTaca­sey Fotos Rafael Hupsel/Folhapress ?? O taxista Adriano Alves chega à farmácia do ambulatóri­o Maria Zélia (acima), segura senha para ser atendido, entrega pedido médico, aguarda retirada de medicament­o e coloca o remédio na geladeira de casa
HermanTaca­sey Fotos Rafael Hupsel/Folhapress O taxista Adriano Alves chega à farmácia do ambulatóri­o Maria Zélia (acima), segura senha para ser atendido, entrega pedido médico, aguarda retirada de medicament­o e coloca o remédio na geladeira de casa

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