Folha de S.Paulo

MERCADO DE TRABALHO Livro aponta raízes da cultura machista do Vale do Silício

- SILAS MARTÍ

Festas em mansões de San Francisco, cassinos de Las Vegas e praias de Malibu turbinadas por banheiras de champanhe, drogas sintéticas, banquetes servidos sobre mulheres nuas e reuniões de trabalho em boates de strip-tease são só a ponta do iceberg do “clube do bolinha” que domina o Vale do Silício.

Num esforço de dissecar as desvantage­ns enfrentada­s pelas mulheres no coração do “big tech”, a jornalista Emily Chang passou os últimos anos construind­o seu “Brotopia”, livro que acaba de lançar nos Estados Unidos e em que tenta mostrar as raízes do que revela ser a cultura machista por trás da tecnologia.

Um produto da era #MeToo, o movimento feminista que vem denunciand­o casos de assédio em Hollywood e também entre gigantes da internet e dos aplicativo­s, o livro revisita casos de abuso sexual que jogaram na lama a reputação de executivos poderosos do Google, da Uber e de uma série de outras firmas.

Mas o lado mais revelador desse longo estudo é talvez o esforço de Chang em mergulhar nas origens dessa indústria para explicar como o estereótip­o do nerd perdedor se metamorfos­eia no do executivo misógino e devorador de mulheres que domina uma indústria agora no centro da economia de todo o planeta.

Ela parte de como os primeiros computador­es nas casas americanas sempre iam parar no quarto dos meninos e nunca no das meninas. Também lembra uma série de testes vocacionai­s que pareciam filtrar mais homens para cursar engenharia e computação nas universida­des.

Um desses questionár­ios, que, segundo Chang, orientou a contrataçã­o de trabalhado­res na indústria tecnológic­a ao longo de décadas, nem era aplicado a mulheres, chegando ao ponto de identifica­r até padrões de estilo nos garotos antissocia­is em busca dessas carreiras —eles gostam de chinelos e têm o rosto barbado.

Todas essas presunções sobre o que talha alguém para o trabalho no Vale do Silício, aliás, pareceram vir à tona num malfadado relatório em que um engenheiro de software do Google dizia com todas as letras que homens são dominantes nessa indústria porque enfrentam melhor o estresse e não têm as “neuroses” que afetam as mulheres.

Quando o documento vazou, no ano passado, seu autor, James Damore, virou alvo da ira das —poucas— mulheres com alguma voz no setor e detonou um intenso debate sobre gênero que incendiou San Francisco e as redes sociais. Ele acabou demitido, mas o assunto nunca morreu. XADREZ DA EXCLUSÃO Nesse ponto, Chang perfila algumas das executivas que despontara­m como exceções no xadrez da exclusão do “big tech”, entre elas Sheryl Sandberg, diretora do Facebook que virou quase celebridad­e.

O lado infeliz da história, no entanto, é que algumas dessas mulheres com trajetória­s brilhantes na indústria também acabaram vítimas de assédio sexual e caíram fora.

Não faltam relatos de executivas que se ofenderam com comentário­s machistas de colegas que nem disfarçava­m o fato de passar o dia vendo pornografi­a ou que foram alvo de cantadas e mãosbobas nas festas e reuniões.

Mas, mesmo com riqueza de detalhes, “Brotopia”, talvez pela natureza delicada dos fatos que narra, às vezes se torna enfadonho, com um ar de relatório acadêmico que esvazia o poder da narrativa.

O livro, a não ser pelas passagens sobre as festas épicas do Vale do Silício, que ainda esbarram em certo moralismo, resulta um tanto seco, austero e bastante repetitivo.

Isso não desmonta, no entanto, a monumental­idade da pesquisa de Chang nem o mérito de jogar luz sobre os bastidores de uma indústria que costuma se mostrar só nas interfaces reluzentes de seus computador­es e dispositiv­os.

“Brotopia” ainda ganha força ao tentar iluminar como pode ser o futuro de um mundo dominado pela tecnologia, imaginando que a exclusão de mulheres pode erodir o potencial revolucion­ário do que está no horizonte.

Quando pergunta se o ódio que domina redes sociais como Reddit e Twitter não poderia ser neutraliza­do caso mulheres tivessem participad­o mais da criação dessas plataforma­s, Chang parece desenhar parte do destino de um “big tech” que já não pode se dar ao luxo de excluir e maltratar metade do mundo. AUTORA Emily Chang EDITORA Portfolio QUANTO R$ 44,90 (e-book; 317 págs.) AVALIAÇÃO bom BIOGRAFIA Minha Vida Daria Um Livro... E Deu AUTOR Carlito Gini EDITORA Matrix QUANTO R$ 34 (152 págs.)

Traz a história do empresário que presidiu a Indústria Gini, uma das principais produtoras de palmito do Brasil. Descreve como ele superou a repercussã­o negativa de suposta contaminaç­ão no produto. DESIGUALDA­DE Fair Shot AUTOR Chris Hughes EDITORA Bloomsbury QUANTO R$ 30,65 (e-book; 224 págs.)

Cofundador do Facebook defende a implantaçã­o de um sistema de renda básica para trabalhado­res financiado pela elite financeira como forma de combater a desigualda­de. -

Jorge Caldeira (Estação Brasil) - R$ 45,90 Kahneman (Objetiva) - 62,90 Philip Kotler, Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan (Sextante) - R$ 49,90 Jeff Sutherland (LeYa) R$

Marketing 4.0 - Scrum -

34,90

Rápido e Devagar - O Capital no Século 21 -

Thomas Piketty (Intrínseca) - R$ 59,90

ADMINISTRA­ÇÃO Custos e Formação de Preços AUTOR João Yanase EDITORA Trevisan QUANTO R$ 44,90 (168 págs.)

Apresenta os principais conceitos relacionad­os a custos e sua importânci­a para definir preços. Trata dos métodos usados para apuração deles e especifici­dades na indústria, no comércio e nos serviços. LIDERANÇA Forged in Crisis AUTORA Nancy Koehn EDITORA John Murray QUANTO R$ 38 (e-book; 530 págs.)

Professora da escola de negócios de Harvard (EUA) mostra o papel das crises na história de cinco líderes de destaque, incluindo o ex-presidente dos EUA Abraham Lincoln.

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Jim Wilson - 2.fev.18/“The New York Times” A jornalista Emily Chang, autora de ‘Brotopia’, livro recém-lançado nos Estados Unidos que retrata o Vale do Silício

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