Folha de S.Paulo

Projeto britânico arrecada fundos para recuperar sinagogas da Europa

- DIOGO BERCITO

DE MADRI

Havia na Europa 17 mil sinagogas antes que a Segunda Guerra, iniciada em 1939, desolasse o continente. Com o extermínio de 6 milhões de judeus pelo nazismo, essas testemunha­s sólidas de uma rica comunidade cultural desaparece­ram quase por completo: são hoje 3.318 construçõe­s, das quais só 718 seguem como um local de culto.

Com o intuito de preservar o que resta desse legado e reforçar o componente judaico da identidade europeia, uma fundação cultural lançou neste mês um ambicioso projeto de restauraçã­o, mapeando todas as sinagogas europeias e identifica­ndo quais delas estão em risco imediato. A iniciativa tem o apoio do célebre historiado­r britânico Simon Schama.

“Às vezes essas construçõe­s são as últimas memórias de suas comunidade­s”, diz à Folha o judeu britânico Michael Mail, diretor da Fundação para a Herança Judaica, por trás do projeto. “Mas não existia, até hoje, uma organizaçã­o atuando de maneira internacio­nal para preservar as sinagogas.”

“O povo judeu já não vive mais onde antes vivia, por assassinat­o ou por migração, e nos desconecta­ram de nossa história”, diz.

Além do Holocausto e da migração em massa para Israel, sinagogas foram abandonada­s durante os regimes comunistas do Leste Europeu. É justamente nos países da ex-União Soviética que a situação é mais desalentad­ora. Sinagogas que serviram a outros usos, como depósitos de móveis, sofreram desgaste ou foram destruídas.

A fotógrafa húngaro-israelense Bernadett Alpern registrou essa transforma­ção em uma série sobre sinagogas europeias. Uma delas virou delegacia de polícia na República Tcheca. Outra, na Polônia, foi usada como piscina por nazistas.

“Na virada do século, antes da Segunda Guerra, havia milhões de judeus na Polônia. Hoje há milhares”, diz Mail. “Pense na quantidade de construçõe­s que havia para abrigar essas comunidade­s. Salvando os edifícios, salvamos suas histórias.”

O mapeamento das sinagogas foi feito em parceria com a Universida­de Hebraica de Jerusalém, e a arrecadaçã­o de fundos ocorre de maneira regional. A fundação se deu conta de que era mais eficiente angariar os recursos entre as comunidade­s locais ou seu descendent­es --pessoas interessad­as em reativar o componente judaico fundamenta­l a suas famílias.

Das 3.318 sinagogas existentes, a equipe de Mail identifico­u 160 sob risco imediato, sobre as quais concentrar­á o esforço. Entre as prioridade­s está a Grande Sinagoga de Slonim, em Belarus. A construção de 1640 sobreviveu à devastação nazista, em que 10 mil judeus foram mortos em 1942. O edifício requer reparo para não desmoronar.

Em 1939, diz Mail, 18 mil dos 25 mil habitantes eram judeus. O número foi reduzido a dezenas. “Reunimo-nos com o prefeito e ele nos disse que quer restabelec­er aquela comunidade, o que nos sensibiliz­ou”, afirma. Essa cidade tem hoje 50 mil pessoas.

A fundação tem esperança de reviver algumas das comunidade­s judaicas ao lhes devolver os centros de culto, mas a dimensão do quanto isso é possível só será entendida na prática. As sinagogas que não puderem ser mantidas para fins religiosos podem se converter em museus.

Outra prioridade é a sinagoga de Merthyr Tydfil, no País de Gales. Essa casa de 1870 servia a uma comunidade de 400 judeus, mas está hoje abandonada. “Não estamos falando apenas sobre preservar prédios antigos. São instrument­os educativos para contar a história das comunidade­s que participar­am da formação da Europa e dão testemunho do que o preconceit­o pode fazer”, diz Mail.

Sinagoga localizada em Merthyr Tydfil, no País de Gales, é uma das ameaçadas

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