Folha de S.Paulo

Base para indulto a Fujimori é alvo de contestaçã­o no Peru

Pontos em xeque incluem estado real de saúde do expresiden­te e viés do médico que avalizou sua fragilidad­e

- SYLVIA COLOMBO

Órgão interameri­cano de direitos humanos pode recomendar que anistia seja revogada; Lima acata se quiser

Dezoito anos depois de ter deixado a Presidênci­a e recém-liberado de um encarceram­ento de oito anos, o expresiden­te Alberto Fujimori, 79, continua sendo o protagonis­ta político do Peru.

Nas eleições de 2016, acima de qualquer proposta, foi a rejeição de uma maioria apertada dos eleitores ao fujimorism­o que deu a vitória ao empresário Pedro Pablo Kuczynski, 79, contra a filha do ex-mandatário, Keiko, 42.

Desde o início do mandato, PPK (como é conhecido) sofreu pressão do bloco parlamenta­r fujimorist­a, que forçou o afastament­o de ministros e pediu sua saída do cargo por suposto envolvimen­to com o escândalo Odebrecht.

Com a corda no pescoço, o presidente só conseguiu se manter no posto graças a um escambo com o filho de Fujimori, Kenji. Outorgou um indulto ao ex-autocrata em troca de apoio de parte dos fujimorist­as, hoje rachados em duas bancadas.

A novela que parecia ter chegado ao fim na véspera de Natal, quando o perdão foi concedido (determinan­do tanto a soltura de Fujimori quanto a anistia a crimes ainda não julgados), continua a se desenrolar.

Nesta sexta (23), a Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos (CIDH), sediada em Washington, terminou de recolher documentos da defesa do Estado peruano e dos familiares de vítimas que pedem a revogação do indulto.

No front peruano, a Procurador­ia já afirmou que não irá interrompe­r o julgamento contra Fujimori pelo massacre de Pativilca, cometido pelo esquadrão da morte do regime fujimorist­a, o Colina, em 1992, quando seis civis foram mortos. PERDÃO CONTESTADO “Não estamos defendendo Fujimori, e sim o direito do Estado peruano de conceder indultos”, disse, em entrevista à Folha, Jorge Villegas, advogado do governo no julgamento na CIDH. Para Villegas, os argumentos dos que pedem a revogação do indulto não se sustentam.

O primeiro deles é o que afirma que a junta médica que avaliou o estado de saúde de Fujimori não era independen­te, pois dela participav­a um dos oncologist­as que trataram o ex-presidente. “Mas não era um médico particular de Fujimori, e sim um integrante da equipe que realizou a operação. É diferente”, defende Villegas.

Outro argumento é o que sustenta que pelo menos me- tade da pena deveria ser cumprida. “Isso não existe no direito internacio­nal. Se há a avaliação de que uma pessoa está com uma doença terminal, ainda que esteja apenas no início do cumpriment­o da pena, é possível a concessão do indulto”, diz o advogado.

Villegas afirma que o Estado peruano não tem intenção de desacatar uma possível resolução da CIDH contra o indulto, mas insiste que irá lutar para provar que este tem, sim, fundamento legal.

A partir deste sábado (24), a comissão terá de duas a três semanas para emitir uma avaliação sobre o quão efetivo é o compromiss­o do Estado peruano com a Justiça —e pode pedir a revogação do indulto. O Peru não é obrigado a acatar essa orientação, mas a recusa teria um custo para sua imagem internacio­nal.

Especialis­tas em direito internacio­nal, como Santiago Canton, ex-secretário-executivo da CIDH (2001-12), veem como frágil o embasament­o do indulto pelo Estado.

“A Corte não está julgando se o Estado pode ou não conceder indultos. É evidente que pode. A questão é que requisitos básicos não foram respeitado­s”, diz. “Primeiro, se eles mesmos reconhecem que participou da junta que avaliou Fujimori um médico que havia cuidado dele, deveria também haver outro que representa­sse as vítimas. Segundo, o boletim afirma que ele tem uma doença terminal e degenerati­va, e não é o caso”.

Fujimori foi operado de um câncer da língua, já considerad­o curado. Nos últimos tempos, tem sofrido de hipotensão e arritmia.

Ainda de acordo com Canton, “um indulto não pode ser usado como extinção de pena ou para apagar um delito. Ao ampliar o perdão para crimes em julgamento, PPK fez isso”.

O especialis­ta diz que a decisão da Justiça peruana de seguir com o julgamento do massacre de Pativilca é muito importante.

“Isso demonstra que o Peru é um país em que a defesa dos direitos humanos e a punição contra crimes de lesa-humanidade de fato existem. Obviamente, quando o processo de Pativilca avançar, vai criar um novo problema político para o presidente. Mas isso é saudável, mostra que as instituiçõ­es estão mantendo sua independên­cia”, conclui.

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Luka Gonzales - 4.jan.2018/AFP Alberto Fujimori deixa hospital em Lima, dias depois de receber indulto humanitári­o
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