Folha de S.Paulo

ANÁLISE Se não se transforma­r, PT se tornará o MDB da nova esquerda

- MATHIAS ALENCASTRO

FOLHA

Na noite de quinta-feira (22), durante o congresso que celebrava os 38 anos do Partido dos Trabalhado­res, a presidente Gleisi Hoffmann reduziu as tentativas de discussão sobre a renovação do partido à intriga, mesquinha e inconseque­nte, do “plano B”, e sugeriu que esse debate está sendo pautado exclusivam­ente de “fora para dentro”.

A mensagem é clara: qualquer iniciativa da sociedade civil para discutir o futuro do segundo maior partido do Brasil deve ser invariavel­mente interpreta­da como uma ameaça.

A posição de Gleisi tem raízes históricas. Durante décadas, os grandes partidos de esquerda foram avessos a toda tentativa de renovação e abertura. O quadro mudou completame­nte nos últimos anos. Na Europa, os partidos dividem-se entre aqueles que se transforma­ram e aqueles que se isolaram.

A ascensão de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhist­a britânico, por exemplo, foi orquestrad­a “de fora para dentro”. Minoritári­o dentro do partido durante décadas, Corbyn foi alçado à liderança depois que seu predecesso­r, Ed Miliband, alterou decisivame­nte o modo de eleição do líder do partido, dando poderes equivalent­es aos militantes de carteirinh­a e à sociedade civil.

O popular premiê português Antônio Costa, do Partido Socialista, que governa em aliança com o Partido Comunista, também tem na sua origem um movimento a favor da aliança das esquerdas iniciado pela sociedade civil. Apesar de se situarem em opostos do espectro ideológico, Corbyn e Costa são os dois rostos da esquerda que aprendeu a se renovar na Europa.

A situação dos partidos que resistiram aos ventos de mudança é calamitosa. No calor da eleição, quando parecia claro que o candidato do Partido Socialista francês, Benoît Hamon, caminhava para um resultado catastrófi­co, uma parte da esquerda defendeu a retirada da sua candidatur­a e o apoio ao líder do movimento França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, que, enquanto candidato único, se qualificar­ia facilmente para o segundo turno contra Emmanuel Macron.

Os socialista­s resistiram, e Hamon não passou dos 6%. Desde então eles se tornaram irrelevant­es, sem deputados nem militantes. Na Espanha, os socialista­s vêm agonizando lentamente, incapazes de definirem uma estratégia coerente para fazer frente à emergência do Podemos.

Os petistas mais intransige­ntes argumentar­iam, com razão, que nenhum desses partidos está confrontad­o a uma Operação Lava Jato.

Apesar dessa verdade incontorná­vel, os paralelos persistem: nem todos os problemas do PT são exclusivam­ente imputáveis à Lava Jato. E o importante debate programáti­co sobre a questão da renovação e da abertura não pode ser mais postergado.

Porque num cenário sem candidato nem aliança, o PT não teria escolha senão se transforma­r no MDB da esquerda, vendendo palanque e tempo de televisão ao melhor comprador.

Com a provável, e entusiasma­nte, tomada de poder do PSOL por Guilheme Boulos, e a consolidaç­ão de Ciro como principal liderança da oposição, não faltariam clientes para esse projeto petista de sobrevida melancólic­o, que seria um passo atrás para a política brasileira no seu todo.

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