Folha de S.Paulo

Escapar da armadilha da renda média

- RODRIGO ZEIDAN COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan; domingo: Samuel Pessôa

CONSTRUIR UM país próspero, com menor desigualda­de e protegendo o ambiente, é possível, mas é uma tarefa de décadas. O Brasil está preso na armadilha da renda média. Conseguimo­s sair da pobreza, mas estamos empacados numa situação de baixa produtivid­ade, além de índices abominávei­s de violência.

Entre as dezenas de reformas, sabemos que uma das principais, se não a mais importante, é a tributária. Nem sempre exemplos de melhores práticas vêm dos países mais ricos. A Índia está promovendo uma grande reforma que começa a dar resultados.

Na Índia, somente em 2016 a renda per capita ultrapasso­u a marca de US$ 1.000 por ano (aqui é 14 vezes maior), mas os indicadore­s econômicos impression­am: o PIB cresceu 6,5% em 2017 e deve avançar 7,4% em 2018, com baixa inflação.

É o maior país democrátic­o do mundo e, assim como o Brasil, tem como principais obstáculos uma elite tacanha, corrupção desenfread­a e uma população com baixo nível educaciona­l.

E tinha um sistema tributário tão ruim quanto o brasileiro. Mas, em julho de 2017, foi implementa­do um imposto chamado Goods and Services Tax (GST). Esse é um tributo indireto de valor agregado que substitui todos os impostos sobre consumo. Ele acaba com as guerras fiscais e limita evasão: o equivalent­e no Brasil seria a substituiç­ão de ICMS, IPI, PIS, Cofins e ISS por um só. Essa reforma está reduzindo imensament­e a complexida­de tributária na Índia. Os resultados até o momento são animadores.

Do ponto de vista do consumidor, as medidas foram progressiv­as, já que há limites na incidência sobre os produtos que afetam os mais pobres ou são mais relevantes para o cresciment­o de longo prazo.

Serviços de educação e saúde não recolhem o GST, assim como cereais, leite e outros produtos da cesta básica. Ar-condiciona­do e refrigerad­or, vistos como bens de luxo em um país muito pobre, têm alíquotas de 28%, com a tributação sobre carros ainda maior.

Por outro lado, o GST é recolhido na região de consumo, e não de produção, favorecend­o as regiões menos pobres.

A primeira versão do GST começou a tramitar em 2006. Até o último momento, vários governador­es tentaram bloquear a implementa­ção do novo tributo, e a negociação entre Federação e regiões foi complicada; mudanças em alíquotas para alguns produtos acontecera­m até mesmo minutos antes do anúncio do pacote completo. Várias exceções espúrias ainda causam problemas.

É claro que, no começo, uma mudança dessa magnitude causa problemas de adaptação, mas essa reforma vai aumentar o potencial de cresciment­o do país. É bom lembrar que não se precisa fazer progressiv­idade com impostos, necessaria­mente. Isso pode ser feito via transferên­cias de renda, como o Bolsa Família, um excelente programa e que deveria ser ampliado.

Mas um tributo que simplifica o sistema, diminui incerteza e ainda tem menor efeito sobre os mais pobres é claramente preferível ao desatinado sistema tributário anterior na Índia —e ao atual no Brasil.

No Brasil, uma reforma tributária é condição necessária, mas não suficiente, para escaparmos da armadilha da renda média. Desde que me entendo por gente, ouço que devemos fazê-la. Na Índia, mais pobre e com problemas federativo­s parecidos com o Brasil, a reforma demorou mais de dez anos, mas finalmente foi posta em prática. E aqui, ficaremos no discurso até quando?

Uma reforma tributária é necessária para escapar da armadilha da renda média; a Índia dá exemplo

RODRIGO ZEIDAN, rodrigo.zeidan@nyu.edu

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