Folha de S.Paulo

Fiz, mas não fui eu...

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

NARRATIVA” VIROU uma palavra da moda. Há quem acredite que, mais que uma verdade, só é necessária uma narrativa que possa ser facilmente reproduzid­a pelos militantes de plantão, o que no contexto da disputa política é possivelme­nte verdade, mas certamente não quando estamos tentando entender o que de fato ocorreu.

Digo isso porque está em curso uma tentativa de criar uma narrativa (ou várias) que tire do governo anterior a responsabi­lidade pelo desastre que se abateu sobre a economia brasileira a partir do começo de 2014, do qual só começamos a sair no fim de 2016 e no começo do ano passado.

Não falta quem tente atribuir a recessão bíblica que vivemos ao suposto “austericíd­io”, apesar do aumento persistent­e das despesas públicas (R$ 16,5 bilhões, já ajustados à inflação, de 2014 para cá, equivalent­es a 1,7% do PIB) e da elevação do deficit público (limpo de “pedaladas” e afins) de 1,2% para 3,1% do PIB no mesmo período, ignorando acintosame­nte o papel dos erros da política econômica acumulados até o final de 2014.

Tentativa mais sutil de relativiza­r os erros do período é a de Marcio “Antonieta” Holland, em artigo recente na revista “Conjuntura Econômica”, em que ensaia um meaculpa, algo envergonha­do, mas que esbarra numa série de problemas.

A começar porque quer limitar sua responsabi­lidade aos aspectos macroeconô­micos do desastre, deixando para outros o fardo das intervençõ­es desastrada­s no domínio econômico, que, como afirmei recentemen­te, conseguira­m ser ainda piores que a política macro.

Quer também atribuir parcela do fracasso à corrupção, deixando convenient­emente de lado que as oportunida­des para a corrupção generaliza­da que se observou no período tenham se originado precisamen­te do intervenci­onismo patrocinad­o pela Nova Matriz. Ou alguém em sã consciênci­a acredita que é mera coincidênc­ia a concentraç­ão de tais atos na Petrobras, exemplo maior da política intervenci­onista? E as acusações relativas à compra de medidas provisória­s, justamente na área das desoneraçõ­es tributária­s, que o próprio Holland associa à Nova Matriz?

Por outro lado, mesmo quando se penitencia, ainda se gaba do cresciment­o do país entre 2011 e 2013 afirmando “algo parece que deu certo”. Já quando fala do período posterior, lamenta que o estouro do boom de commoditie­s não seja considerad­o como fator responsáve­l por “pelo menos um pouco da recessão”.

Lógica curiosa: quando o país cresce, é porque “algo deu certo”; já na recessão, invoca-se o preço das commoditie­s.

A verdade é que países latinoamer­icanos como Chile, Colômbia e Peru —que compartilh­avam com o Brasil a dependênci­a de preços de commoditie­s (e são muito mais abertos ao comércio internacio­nal, portanto mais sensíveis a esta variável), mas que mantiveram políticas econômicas corretas— sofreram uma desacelera­ção de seu cresciment­o da casa de 1,5% a 2,5% entre 2011-14 e 2015-16; já o Brasil passa por uma queda de seis pontos percentuai­s (de +2,3% ao ano para -3,7% anuais) no mesmo período e vê seu PIB encolher. Algo parece que não deu certo.

Ao fim da história, temos mais um exercício de equilibris­mo do que o reconhecim­ento do estrago que suas políticas causaram ao país. Em vez de um longo artigo, Holland poderia simplesmen­te ter dito: fiz a Nova Matriz, mas não fui eu...

Tenta-se criar uma narrativa que tire do governo anterior a culpa pelo desastre que houve na economia

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil