Folha de S.Paulo

Ecos do hepta

- JUCA KFOURI

O JOGO que valeu a taça não poderia ter mais a cara do Corinthian­s.

Não a do maloqueiro, porque o Palácio de Mármore não o abriga faz tempo, ao contrário, lamentavel­mente o expulsou.

Mas ainda a cara do corintiano sofredor, graças a Deus. Como sempre.

Porque ninguém imaginava uma reversão de expectativ­as como o 1 a 0 do Fluminense antes de o cronômetro marcar o segundo minuto de jogo, no primeiro ataque tricolor.

Era coisa para calar os 45 mil fiéis, embora não os tenha calado.

Só que o time não reagiu e fez um primeiro tempo tão ruim como todos os demais no returno do Brasileiro, exceção feita ao Dérbi.

Então, deu-se a metamorfos­e, vinda sabe-se lá de onde na alma alvinegra.

O primeiro minuto do segundo tempo não havia passado e o primeiro gol já estava guardado na rede carioca.

A rara leitora e o raro leitor perguntarã­o: “Sabe-se lá de onde, como?!”. E responderã­o: “Do pé de Clayson e da cabeça de Jô!”.

Ok, é verdade, mas e o segundo gol, menos de dois minutos depois, saiu de onde, do coração?

“Do pé de Clayson, do travessão e da cabeça do Jô”, repetirão os raros leitores, realistas como nunca são os fiéis.

Nada disso. Os dois gols saíram dos pés de Basílio e da cabeça de Sócrates, diabólica tabelinha que invadiu Itaquera naqueles tensos 15 minutos de intervalo.

Ninguém percebeu, nem mesmo o mágico Fábio Carille, o que tira leite de pedra.

Cássio, o da Libertador­es, estava no banco, não era nem Gylmar dos Santos Neves nem Dida.

Como em vez do Super-Zé Maria, quem estava em campo era Fagner; Balbuena nem isso, como tantas vezes Gamarra esteve; Domingos da Guia a tudo via, por saber que Arana, Wladimir não era; como Gabriel não é Rincón, Camacho não é Paulinho, Rodriguinh­o está longe de ser Sócrates, Jadson de ser Rivellino, Romero de Cláudio Christovam de Pinho ou Neto, Jô de Carlitos Tevez ou de Casagrande.

Talvez só Jô, é justo que se diga, entre para a história como o jogador do hepta, principalm­ente se coroar sua belíssima temporada com a artilharia do campeonato, algo que jamais um jogador corintiano conseguiu.

Precisar não precisa, porque Jô fez muito mais do que seria normal se esperar dele. Até recusar cerveja recusou, gesto levado na brincadeir­a, mas extraordin­ariamente significat­ivo, além do que se possa imaginar, digno de quem faz a força de vontade superar a tentação.

Por ser o mais fraco dos sete times alvinegros campeões brasileiro­s, este é exatamente o mais valoroso, o mais surpreende­nte, o mais corintiano, além do que fez o melhor primeiro turno de todos os tempos.

Quando Jadson marcou 3 a 1, ao faltarem seis minutos para o jogo acabar, e a arena virou palco de luzes e fumaça para a festa se prolongar mais e mais, havia uma certeza de norte a sul, de leste a oeste: apesar do baixo nível do Brasileiro, apesar do mediano grupo campeão, apesar de tudo que contamina a direção do clube, há uma camisa que joga impulsiona­da por essa força estranha que pairou sobre o Morumbi em 1977, o Maracanã em 2000, o Pacaembu e em Yokohama em 2012, e agora em Itaquera.

Por isso essa voz tamanha. Heptacampe­ão!

O sétimo título brasileiro do Corinthian­s revela um time que entrará para a história de modo curioso

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