Folha de S.Paulo

Bônus pagos pelas empresas estimulam práticas corruptas

MEMBRO DA TRANSPARÊN­CIA INTERNACIO­NAL E CONSELHEIR­O DE SIEMENS E ODEBRECHT CRITICA METAS FINANCEIRA­S PARA EXECUTIVOS

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Folha - Por que a Transparên­cia Internacio­nal escolheu combater corrupção?

Jermyn Brooks - O fundador da Transparên­cia, o alemão Peter Eigen, trabalhava para o Banco Mundial e era responsáve­l por dar crédito para os países da África Oriental e descobriu que metade do dinheiro emprestado se perdia. Há estimativa­s similares até hoje. Metade dos empréstimo­s para os países muito pobres são perdidos para a corrupção ou uma mistura de corrupção com ineficiênc­ia. A Transparên­cia foi criada para mudar essa situação. Meu foco foi trabalhar com uma série de empresas para criar uma política para países que pagam propina. O senhor sabe por que a corrupção tornou-se uma questão central em países tão diferentes quanto Brasil, China, Guatemala, Itália e Grécia?

Há uma série de razões. Para combater a corrupção de verdade, você precisa ter uma série de freios e contrapeso­s. A tentação é dizer que, se você tem uma democracia funcionand­o, é fácil combater a corrupção. Democracia significa separação de Poderes, imprensa livre, com bons jornalista­s investigat­ivos, e uma sociedade civil ativa, para lembrar aos políticos que eles têm responsabi­lidades, e transparên­cia com as coisas públicas. Quando uma dessas peças quebra ou não funciona bem, a corrupção cresce.

Nossa definição de corrupção é o abuso de poder para obter ganhos pessoais, para um partido ou companhia. No Brasil, após a Operação Lava Jato, a população acredita que corrupção é a questão mais importante. Faz sentido?

Corrupção no Brasil é um problema muito sério, que está minando a democracia, com dinheiro fluindo para os parlamenta­res e comprando decisões políticas. A Lava Jato mostrou que os políticos querem só se reeleger e manter o poder. Isso é minar o processo democrátic­o no Parlamento.

Mas eles fazem mais coisas inacreditá­veis: querem ficar ricos com a política. Isso aumenta a desigualda­de na democracia. Vamos pegar um exemplo do serviço público. Quando uma companhia corrupta não paga impostos, você está retirando dinheiro que deveria aplicar em educação, hospitais, habitação ou esgoto para as favelas. O brasileiro também acredita que o Brasil é o país mais corrupto do mundo. É mesmo?

Essa percepção pode estar correta porque, todo dia, os jornais e a televisão estão falando de corrupção.

Claro que há muitos países mais corruptos que o Brasil, mas aqui há imprensa livre e os processos são julgados na Justiça, o que é positivo.

Não adianta culpar as pessoas dizendo que corrupção não é um grande problema porque é um grande problema. Essa percepção das pessoas leva elas a dizer: agora queremos políticos limpos, queremos reformas nas leis, queremos negócios limpos.

A percepção das pessoas sobre corrupção leva a demandas por reformas. A Siemens tem uma longa história de corrupção desde a Segunda Guerra. A empresa prometeu outras vezes abandonar essa prática, mas não o fez. Por que devemos acreditar na empresa agora?

Empresas como a Siemens dizem defender valores como integridad­e e honestidad­e. O que nós encontramo­s na Siemens? A empresa, em alto nível, defendia integridad­e. Mas, em parte por ingenuidad­e, em parte por fechar os olhos deliberada­mente, alguma coisa estava acontecend­o.

A empresa pagava grandes bônus para fazer negócios em países em desenvolvi­mento sem saber como era feita a venda. Eles usavam agências corruptas, faziam pagamentos na Suíça numa estrutura extremamen­te complexa, similar às encontrada­s pela Operação Lava Jato.

Agora sabemos que a primeira coisa que você tem de fazer quando introduz uma política anticorrup­ção é mudar a sua política de pessoal.

Porque política de pessoal é o suporte de uma política anticorrup­ção. É preciso mudar essa política. Que tipo de mudança?

Você tem que mudar a forma como avalia as pessoas, como promove e como paga, além de manter todos os princípios anticorrup­ção.

Você tem de alterar a forma como faz os pacotes de vantagem e como paga bônus no final do ano.

As empresas pagam salários de US$ 1 milhão por ano e, provavelme­nte, dois terços

Claro que há muitos países mais corruptos que o Brasil, mas aqui há imprensa livre e os processos são julgados na Justiça, o que é positivo

desse valor são bônus. A empresas dão incentivos errados às pessoas pelo modo como pagam os funcionári­os de alto escalão. O senhor propõe a extinção de bônus?

Você tem de ser extremamen­te cuidadoso no modo de contratar e promover. A avaliação anual não pode ser baseada apenas em metas financeira­s. A Shell, por exemplo, decidiu anos atrás que 20% da avaliação não seria ligada a resultados financeiro­s. Tem empresas em que é 50%. Depende da indústria.

Promoção tem de seguir padrões não financeiro­s. De outro modo, você está estimuland­o a corrupção. Respondend­o à sua pergunta [sobre por que a Siemens continuou corrupta apesar das promessas de extinguir essa prática], acho que era um pouco de ingenuidad­e e cegueira deliberada. Eles eram muito ingênuos. Diziam: se você for para a África, tem de se adaptar… Por que o senhor é um entusiasta da ideia de pagar recompensa a quem denuncia corrupção?

Sou um entusiasta de denunciado­res de corrupção, principalm­ente no setor privado. Porque é muito difícil obter as informaçõe­s por meio de outras fontes.

Quando os americanos começaram a pagar a empregados para obter informaçõe­s sobre corrupção, isso me deixou desconfort­ável. Eu achava que era moralmente errado pagar por algo que a pessoa deveria fazer.

Mas nos Estados Unidos esse programa faz um sucesso inacreditá­vel. Eu tive de me dobrar: é justificáv­el, mas não fico feliz quando alguém denuncia corrupção para ganhar US$ 10 milhões. Há algum outro problema além da restrição moral?

Há. Para denunciar corrupção você precisa ser extremamen­te corajoso. Seja numa empresa ou no setor público, quem denuncia é visto como desleal.

Conheci uma série de denunciado­res. Após a primeira bolha na internet, no começo dos anos 2000, apareceram uma série deles. Havia um denunciado­r, praticamen­te, em cada uma das empresas de internet.

O “Financial Times” fez uma reportagem sobre o que aconteceu com os denunciado­res. Foi muito sofrido: metade deles perdeu o emprego.

As companhias dizem que não vão punir os denunciado­res, mas isso não é verdade. É parte da mentalidad­e humana punir quem delata. O que funciona melhor: punir empresas que corrompem ou incentivá-las a não subornar?

Uma universida­de em Berlim fez uma pesquisa sobre incentivos e concluiu que o que mais funciona é uma combinação de estímulo e punição. A minha ideia era apresentar novas ideias para a Siemens. O problema é que governos não gostam dessa ideia de incentivo. Só pensam em prisão e multa.

Os governos poderiam dar incentivos fiscais para empresas que tenham bom comportame­nto. Podem dar subsídio.

Se uma empresa tem um bom sistema anticorrup­ção, ela poderia ter vantagens numa licitação. Poderia se criar uma competição entre empresas para ver quem faz o melhor programa anticorrup­ção.

Os bancos podem emprestar dinheiro com taxas mais baixas de juros para empresas que tenham um bom programa anticorrup­ção. Os governos são muito lentos para entender a influência que eles podem ter para implementa­r padrões éticos nos negócios.

Os bancos podem emprestar dinheiro com taxas mais baixas de juros para empresas que tenham programa anticorrup­ção

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O inglês Jermyn Brooks, membro da Transparên­cia Internacio­nal, em entrevista

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