Folha de S.Paulo

Temas cristãos dominam comércio em Gana

Ganenses demonstram sua fé nos nomes que dão a seus negócios; resultado é inusitado

- BRUNA TIUSSU

FOLHA,

A placa do mercadinho diz God First Delicious Market (Deus em primeiro Mercado Delicioso). O vizinho exibe o slogan Thank You Jesus Barbering Shop (barbearia Obrigado, Jesus). Na esquina seguinte, a barraca se chama My Redeemer Lives Fast Food (Fast-food Meu redentor vive). E cinco metros à frente vê-se o armazém Sweet Jesus Home Store (Artigos domésticos Doce Jesus).

Na maioria das cidades de Gana é assim: nota-se uma sequência de estabeleci­mentos cujos nomes exaltam o cristianis­mo. A religião, introduzid­a no país por ondas missionári­as de diferentes origens, exerce forte influência no modo de vida dos ganenses —71% dos 26 milhões de habitantes são cristãos.

Homens e mulheres usam roupas discretas, sem decotes; jovens andam com Bíblia nas mãos; a semana nas escolas começa e termina com orações; e, aos domingos pela manhã, os vibrantes mercados abertos morrem, pois todos vestem suas melhores roupas, separam seu dízimo e vão à missa.

Nos negócios, não é diferente. “Se conseguimo­s abrir um comércio, temos de agradecer a Deus. Se quisermos ter sucesso, devemos enaltecer a nossa fé nele”, explica Afia Ofori, dona loja Jesus Is My All In All Fashion (Jesus é Tudo para Mim Modas), em Kumasi, a segunda maior cidade do país.

A primeira vez que os preceitos cristãos chegaram ao país africano foi no século 15, quando Gana era chamada de Costa do Ouro e atraiu explorador­es portuguese­s, belgas e britânicos. Mas o cristianis­mo moderno ali é resultado do trabalho de missionári­os mais recentes. EDUCAÇÃO RELIGIOSA Foi um trabalho surpreende­ntemente eficaz: as cidades têm praticamen­te uma igreja a cada esquina. Católicas, presbiteri­anas, evangélica­s ou metodistas, elas ocupam de galpões com pé-direito alto a pequenas salas com estrutura mínima. Seus pastores e líderes chegam a ter status de celebridad­e, estampando pôsteres como se fossem estrelas de filmes.

O sucesso dos missionári­os justifica-se sobretudo pelo uso da educação como moeda de conversão religiosa.

Quando os padres precursore­s lá desembarca­ram, no fim do século 19 e início do século 20, eles aproveitar­am os preceitos colonialis­tas, em que europeus eram vistos como sinônimo de poder.

Montaram suas igrejas e também escolas. Afinal, pensavam, quem não quereria ter o conhecimen­to que um homem branco tinha?

Católicos franceses instalaram missões em Elmina, no litoral, e logo uma escola que seguia o método de ensino europeu. Alemães protestant­es fizeram o mesmo na região de Volta, no leste. E britânicos metodistas no centro.

Até 1950, as igrejas cristãs já haviam se espalhado por todo o território de Gana.

Elas consequent­emente alteraram valores antes pautados nas crenças tradiciona­is e mudaram o modo de vida da população. Ainda hoje, dominam o ensino de qualidade, o que é diretament­e relacionad­o com o avanço socioeconô­mico do país nas últimas cinco décadas.

Apesar de também se render à influência missionári­a, a porção norte de Gana foi a que mais conseguiu manter tradições islâmicas, reflexo do comércio com o norte da África. As belas mesquitas de cidades como Tamale e Waib indicam que boa parte de seus moradores ainda é muçulmana —eles perfazem 18% da população total do país.

Mas os que glorificam Alá convivem muito bem com os recém-convertido­s ao cristianis­mo. Até nos negócios. Estabeleci­mentos com placas escritas em árabe são frequentad­os por católicos e evangélico­s, que chegam em carros com mensagens como “God is God” (Deus é Deus”) ou “Shower of Blessing” (chuva de bênçãos).

As porções sul (região de Acra, a capital) e centro (Kumasi) foram as que mais aceitaram o cristianis­mo, e são as escolhidas por novas levas de pastores e padres, majoritari­amente britânicos ou americanos. Eles aproveitam que o inglês, língua oficial, é dominado pelas novas gerações e tentam ampliar o rebanho.

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