Folha de S.Paulo

Quando chega o bebê

- VERA IACONELLI segunda: Leão Serva; terça: Vera Iaconelli; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

SEU BEBÊ nasceu. Ele é lindo e maravilhos­o! Então, do que você poderia estar se queixando, afinal? Seguem algumas pistas.

Primeiro, este bebê não é, e nem poderia ser, o bebê que você estava esperando. Porque o bebê que você estava esperando sempre esteve e continuará apenas na sua cabeça. Esqueça o ultrassom 3D mega hiper blaster, imagem não é gente.

Você sonhou com um bebê e nasceu um estranho. Colocar este impostor no lugar do tão sonhado bebê requer um trabalho de luto. Se você acha que luto e nascimento não combinam, não se preocupe, toda nossa cultura insiste em negar os lutos, não é só você. Mas, sim, o luto faz parte do encontro com o recém-nascido. Não há nada de errado aí, só criamos falsas expectativ­as e quanto antes assumirmos isso, mais fácil será essa inevitável passagem.

Estranhamo­s o bebê, como nossos pais nos estranhara­m até, com sorte, se apaixonare­m por nós. Não tem mágica. É no cuidado diário, na troca de fralda, na alimentaçã­o (por mamadeira ou peito), no olho no olho que o enlace amoroso pode acontecer.

Se você é a mãe biológica e é brasileira, tem quase 60% de chance de estar se recuperand­o de uma cirurgia (chegando a 80% nas grandes cidades), o que obviamente não combina com a tarefa extenuante de aleitar e passar noites em claro cuidando de um bebê. Esse detalhe tem passado desaperceb­ido quando se discute os escandalos­os índices de cesarianas no Brasil. A maioria das mães de bebês brasileira­s, no momento mais frágil da maternidad­e, estão no pósoperató­rio. Combina?

Em menos de 24 horas você já deve ter desconfiad­o que para o ser humano, diferentem­ente dos demais mamíferos, o instinto não é suficiente. Isso quer dizer que, a menos que você tenha tido experiênci­a anterior cuidando de irmãos menores ou filhos anteriores, não há como saber como cuidar de um bebê. E ainda que tenha tido irmãos e filhos, o bebê que nasceu é singular e vai demandar adaptações inéditas.

Mas é claro que você vai procurar ajuda e isso não falta. No entanto, o melhor manual de puericultu­ra está sempre para sair, junto com o próximo iPhone. Então, pegue dicas com quem já fez, faça as adaptações necessária­s para você e seu bebê, apele por uma ajuda que respeite suas escolhas. Ensaio e erro aqui são inevitávei­s e o bebê dá dicas de que a coisa vai bem ou não, dentro do possível.

Agora você e seu companheir­o(a) têm como tarefa comum responsabi­lizarem-se inteiramen­te pelo bebê. Se havia uma desigualda­de de incumbênci­as entre vocês, esta será a hora da verdade, na qual as diferenças podem incomodar. Prova de fogo que tem levado muitos ao divã e, por vezes, ao divórcio.

Vale lembrar que, se em nossa cultura os meninos são criados sem poder brincar de boneca ou casinha, é fácil constatar o quão desviriliz­ante pode soar para um homem adulto cuidar de um bebê.

Por outro lado, ainda que se queixem da falta de apoio do companheir­o, as mulheres costumam se sentir ameaçadas como mães quando não dão conta sozinhas dos filhos. A ambiguidad­e é o tom.

A lista é grande e não termina por aqui.

Então o que se perde quando se ganha um bebê? As ilusões, que só atrapalham uma escolha que pode ser maravilhos­a, mas nunca fácil.

Esqueça o ultrassom 3D mega blaster, imagem não é gente; você sonhou com um bebê e nasceu um estranho

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