Folha de S.Paulo

Existe uma cultura do estupro?

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SÃO PAULO - É indiscutív­el que impera no Brasil uma cultura ainda bastante machista, mas daí a falar numa cultura do estupro, como vem fazendo muita gente que respeito intelectua­lmente, me parece um passo indevido. Ao contrário, acho que o estupro é um dos crimes que as pessoas mais repudiam e se comprazem em punir.

O melhor exemplo disso foi dado pelo grande Drauzio Varella em sua coluna de sábado (2): nas cadeias, estuprador­es precisam ser mantidos isolados da população carcerária geral, caso contrário são trucidados com requintes de crueldade. Ora, se até nos presídios, onde vige uma moral permissiva em relação a um amplo rol de delitos, o estupro é visto como algo imperdoáve­l, a situação não pode ser muito diferente nos segmentos sociais que abraçam éticas mais kantianas.

A ampla repercussã­o que casos como o da ejaculação no ônibus ganham na mídia e nas redes sociais e a viva indignação que geram são mais um indício de que a condenação moral do estupro e de outros delitos de cunho sexual é robusta e só aumenta.

Já as pesquisas de opinião que revelariam a tal da cultura do estupro costumam abusar de frases ambíguas como “a mulher que usa roupas provocativ­as não pode reclamar se for estuprada”, que podem ser interpreta­das tanto em termos probabilís­ticos —mulher que usa trajes sumários tem mais chance de sofrer violência sexual— como em termos morais —vestindo-se desse jeito, bem feito se ela foi estuprada. É preciso cautela na hora de avaliar os resultados dessas sondagens.

A história de como diferentes sociedades trataram mulheres e minorias ao longo dos séculos não é algo que enalteça o gênero humano. Mesmo assim, é preciso reconhecer que, da segunda metade do século 20 para cá, ao menos no Ocidente houve genuíno progresso moral. Abusos contra esses grupos são cada vez menos tolerados. helio@uol.com.br

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