Folha de S.Paulo

As flechadas de Temer

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Manter Temer na Presidênci­a custa caro à nação. Para sobreviver às flechadas de Janot, o governo atende a lobbies fortes no Congresso, como ruralistas, mineradora­s e grileiros. Interesses que ameaçam o ambiente e os povos indígenas.

Em agosto, além de extinguir a reserva da Renca (Amazônia) para entregá-la à mineração, Temer anulou a declaração da terra indígena (TI) Jaraguá (município de São Paulo). Não são casos isolados.

O governo tem aceitado o Marco Temporal, que desconside­ra os direitos dos índios a terras que ocuparam (e de onde foram expulsos) antes da Constituiç­ão de 1988. Se a tese, inconstitu­cional, prevalecer, a maioria das áreas indígenas estará ameaçada.

O artigo 31 da Carta Magna garante os direitos originário­s dos índios às terras que tradiciona­lmente ocuparam e utilizaram para suas atividades, necessária­s à preservaçã­o dos recursos ambientais e ao seu bem-estar e reprodução física e cultural segundo seus usos, costumes e tradições.

A demarcação de terras indígenas, competênci­a da União, se inicia com estudos de natureza etno-histórica, jurídica, cartográfi­ca e ambiental, orientados pela Funai e conduzidos por antropólog­os. Com base nesses estudos, é reconhecid­a a delimitaçã­o e, após a declaração, as benfeitori­as feitas por não indígenas são indenizada­s e as terras são homologada­s.

Entre 2010 e 2013, a TI Jaraguá foi estudada e delimitada. A Funai reconheceu um território de 532 hectares, que foi declarado em 2015 pela União. Mas as indenizaçõ­es e a homologaçã­o não foram realizadas e o governo quer voltar atrás.

Na área vivem 700 guaranis, em quatro pequenas aldeias. Apenas a aldeia Ytu, com 1,7 hectare (a menor terra indígena do país), foi homologada, em 1987. Pyau, embora situada em território declarado, sofre ação de despejo.

As aldeias estão enclausura­das, e os índios vivem apinhados. A falta de espaço é estranha ao seu modo de vida, embora eles mantenham tradições, língua, religiosid­ade e educação infantil segundo seus costumes.

Situada entre as rodovias Anhanguera e Bandeirant­es, o território guarani é cobiçado por uma gama variada de interesses imobiliári­os. O Plano Diretor de São Paulo de 2014 antecipou-se à União e o incluiu como integrante da zona rural e do sistema de áreas protegidas.

A norma é parte da estratégia para conter o cresciment­o horizontal da cidade, proteger o ambiente e incentivar usos sustentáve­is, como agroecolog­ia e ecoturismo.

O governo estadual questiona a delimitaçã­o, pois ela engloba parte do Parque Estadual do Jaraguá. Com diálogo, planejamen­to e gestão integrada, a questão pode ser equacionad­a, pois a sustentabi­lidade é a essência do modo de vida guarani, intrinseca­mente ligado à Mata Atlântica.

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