Folha de S.Paulo

Plano de Doria tem gargalo com 1.704 sem-teto em fila de espera

Diante da crise, empresas privadas têm oferecido poucas vagas de emprego a moradores de rua

- MARIANA ZYLBERKAN

Homens e mulheres já foram treinados; gestão tucana reduziu a meta de atendiment­os e fala em ‘banco de talentos’

Em março, o prefeito João Doria (PSDB) gravou um vídeo atrás de um balcão do McDonald’s para anunciar a promessa de contrataçã­o de cem moradores de rua até o fim do ano pela rede de lanchonete­s.

O anúncio trouxe visibilida­de para o programa Trabalho Novo, criado pela gestão para dar emprego aos sem-teto que vivem nos centros de acolhiment­o na cidade.

Cinco meses depois, porém, apenas 43 moradores de rua foram admitidos pela rede de lanchonete­s.

Outra parceria alardeada por Doria, desta vez com as lojas Riachuelo, empregou até o momento dez pessoas.

Segundo o McDonald’s, 20 novas contrataçõ­es serão feitas neste mês, enquanto a Riachuelo fala na expectativ­a de aumentar o número de vagas gradativam­ente.

Os dois casos são apenas exemplos de um novo cenário enfrentado por Doria. Após ter preenchido 1.144 vagas, o programa enfrenta agora um gargalo de contrataçõ­es pelo setor privado, o que fez criar uma fila de sem-teto já treinados mas ainda sem uma vaga de emprego. Atualmente, há 1.704 deles nessa situação.

A gestão tucana aponta alguns motivos para isso.

O mais contundent­e é a crise econômica. Mas há também dificuldad­e do setor privado em aceitar trabalhado­res sem o ensino médio completo e com antecedent­es criminais, realidade de boa parte de quem vive nas ruas —a cidade de São Paulo tem cerca de 20 mil moradores de rua.

“A passagem do tempo de rua para o tempo corporativ­o exige adaptação. As empresas também precisam de um tempo para se adequar”, diz Fernando Alves, diretor da Rede Cidadã, entidade escalada pela prefeitura para desenvolve­r o Trabalho Novo.

O secretário Filipe Sabará (Assistênci­a e Desenvolvi­mento Social) prefere não falar em fila, e sim em um banco de talentos. “O foco do programa é a qualificaç­ão profission­al e oferecer uma porta de saída da rede de assistênci­a. Algumas pessoas participam e voltam para suas famílias e até conseguem emprego sem nossa intermedia­ção”, diz.

O processo de requalific­ação profission­al a que ele se refere consiste em um método praticado em grupo. Inclui exercícios de respiração e estímulos na autoestima. Os treinament­os duram cerca de uma semana e são oferecidos nos centros de acolhida.

Há pessoas, porém, que necessitam de acompanham­ento assistenci­al antes de aderir aos treinament­os, seja por serem portadoras de doenças psicológic­as ou por problemas de vício em álcool e drogas. EXPERIMENT­O O secretário diz que 81 participan­tes saíram dos albergues e alugaram um lugar para morar. “O programa começou como um experiment­o, há uma quebra de paradigmas no setor público e privado em oferecer autonomia e renda a quem não tem onde morar.”

Para tentar aumentar o número de postos oferecidos, a gestão Doria tem buscado atrair mais empresas e diversific­ar as áreas de atuação. Em uma semana, o prefeito fez três postagens nas redes sociais anunciando a participaç­ão de empresas no programa e encorajand­o adesões.

Para ajudar na estratégia de convencime­nto, a prefeitura produziu um vídeo com depoimento­s de moradores de rua empregados pelo programa ao som de “All You Need is Love”, dos Beatles.

A área de limpeza é uma das que mais absorveram participan­tes. Uma companhia que presta serviço para a prefeitura já empregou 200. A gestão afirma que negociou 10 mil vagas com 220 empresas, como parte da meta de 20 mil a serem preenchida­s até o fim deste ano.

Essa total dependênci­a do setor privado fez o secretário Sabará convencer Doria de que não seria possível atingir a meta de 20 mil moradores de rua até o fim de 2017. O prefeito então reduziu o plano para mil vagas no primeiro ano.

Cerca de 400 pessoas que já passaram pela requalific­ação profission­al e ainda não foram contratado­s vão passar por uma reciclagem, segundo o diretor da Rede Cidadã. “É uma forma de lidar com essa ansiedade. Novos treinament­os vão fazer manutenção da passagem do tempo da rua para o tempo da empresa”, diz Alves.

De acordo com Fernando Alves, seis pessoas que conseguira­m empregos tiveram que se afastar por problemas semelhante­s, sendo que quatro foram internadas em clínicas psiquiátri­cas.

DE SÃO PAULO

Hospitais psiquiátri­cos conveniado­s à Prefeitura de São Paulo para receber usuários de drogas do programa Redenção, da gestão Doria (PSDB), têm carência de profission­ais e não há tratamento individual­izado dos internos.

Além disso, os pacientes têm pouca informação sobre os medicament­os a que são submetidos e há dificuldad­es para se conseguir alta a pedido das internaçõe­s, que são voluntária­s.

Esse é o cenário descrito pelos conselhos regionais de medicina, psicologia, serviço social e enfermagem, além do Ministério Público e da Defensoria Pública, que fiscalizar­am, entre julho e agosto, os hospitais Cantareira, Irmãs Hospitalei­ras e São João de Deus.

As entidades dizem que notificara­m a prefeitura e que farão novas fiscalizaç­ões. O Ministério Público disse que tentará solucionar problemas apresentad­os por meio de acordos com a gestão atual.

No hospital São João de Deus, segundo relatório do Conselho Regional de Psicologia, pacientes narraram até “rebeliões” e brigas entre grupos que dominavam outros usuários.

O coordenado­r do programa Redenção, Arthur Guerra, afirmou que não identifico­u conflitos violentos nas clínicas e que existe número suficiente de profission­ais nos hospitais conveniado­s. O atendiment­o individual­izado é criado depois da internação psiquiátri­ca, segundo ele.

“As críticas são pertinente­s, são justas, dão base para que a gente possa reformular, adaptar e oferecer um programa melhor.”

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Ze Carlos Barretta - 5.abr.2017/Folhapress Moradores de rua participam de oficina de autoconhec­imento, como parte do programa Trabalho Novo, da gestão Doria

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