Folha de S.Paulo

O fantasma da alta de impostos

- VINICIUS TORRES FREIRE

O DINHEIRO ainda entra no caixa do governo federal em ritmo de miséria recessiva. Ou seja, a arrecadaçã­o ainda cai em relação ao ano passado.

Um assunto que não frequenta muito as discussões é o fato de que, desde o início da recessão, a receita de impostos caiu bem menos que a de outros recursos, de recuperaçã­o ainda mais incerta que a dos estritamen­te tributário­s. Trata-se aqui de dividendos (distribuiç­ão de lucro das estatais), de direitos federais relativos à exploração de petróleo e do dinheiro advindo de concessões (leilões de petróleo e de exploração de infraestru­tura, por exemplo).

E daí? O assunto tem relevância razoável para o debate de como fechar o buraco das contas do governo. Parece que se torna cada vez mais inevitável a discussão do aumento de impostos (sem prejuízo, pelo contrário, da contenção de gastos).

A receita total do governo caiu cerca de um ponto percentual do PIB desde 2014. A conta se baseia na receita total, antes da transferên­cia obrigatóri­a de recursos para Estados e municípios. A receita líquida, descontado­s tais repasses, caiu ainda mais.

A receita de impostos, no sentido estrito, caiu menos (trata-se da dita “receita administra­da pela Receita Federal”). A arrecadaçã­o de “dividendos e participaç­ões”, “concessões e permissões” e outras do gênero respondeu por cerca de 70% do total dessa perda de receita (sempre em proporção do PIB).

O que aconteceu?

As estatais foram arruinadas, passaram a ter prejuízos monstruoso­s. Não têm lucro para distribuir. O preço do petróleo caiu. A receita de concessões baixou, tem seus limites e, enfim, é incerta, variável. Etc.

Para resumir a ópera, grosso modo, o governo até 2014 fez despesas duradouras, crescentes, dependente­s em parte de receitas variáveis demais ou extraordin­árias. Em parte, também contava com um aumento “natural” de arrecadaçã­o de impostos em ritmo insustentá­vel (o aumento da receita decorrente da formalizaç­ão da economia tinha obviamente um limite físico, por exemplo).

Reduções de impostos também contribuír­am para o buraco fiscal (isto é, se perdeu uma enormidade de receita com “desoneraçõ­es” para empresas e consumo de bens duráveis).

Embora o descalabro não tenha chegado ao ponto de replicar o método Sérgio Cabral (PMDB) de administra­r, como se viu no Rio de Janeiro, a receita de desastre era similar, em outra escala.

Um programa vitaminado de concessões, se vier a acontecer, pode tapar buracos de modo provisório, como está nos planos de Michel Temer. As estatais que sobrarem não renderão como nos anos em que davam leite além da conta, tempos de Dilma Rousseff. Não dá para contar com a sorte de outras das “receitas não administra­das pela Receita Federal.

A receita “normal” de impostos talvez não acompanhe nem o ritmo mínimo da recuperaçã­o da atividade econômica que, parece, começa agora. Empresas ainda estão mal das pernas, outras jogam com a possibilid­ade de perdões de atrasados (em suma, Refis) e muitas poderão abater os prejuízos da recessão da conta futura de impostos.

Um aumento de impostos é um assunto que está ou deveria estar na pauta desde a campanha eleitoral de 2014. Deve ser o grande assunto fantasma da campanha de 2018. vinicius.torres@grupofolha.com.br

Receita do governo não caiu apenas devido à recessão; rombo deve exigir tributos extras

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