Folha de S.Paulo

Tirei a sonda de alimentaçã­o e o respirador alguns dias antes de ter alta.

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COLABORAÇíO PARA A EM JUNDIAÍ

Foi em outubro de 2012. Eu tinha 25 anos, trabalhava e cursava engenharia de produção. Era uma terça-feira. Senti fortes cólicas ao acordar e fui para o hospital. Os médicos fizeram apenas um exame de urina, que confirmou minha suspeita: pedra no rim. Não era a primeira.

Voltei para casa tomando analgésico. O negócio era tomar medicação e esperar a pedra sair. Acontece que a dor piorou cada vez mais e comecei a vomitar.

No fim da tarde, retornei ao hospital. Os médicos perceberam que a situação era mais grave. Solicitara­m outro exame de urina, um de sangue e um ultrassom. À noite, o exame de urina e o de sangue ficaram prontos e comprovou-se que eu já estava com uma infecção grande. Um médico chegou a prescrever antibiótic­o, mas outro disse que deveríamos aguardar o ultrassom no dia seguinte.

O resultado do último exame revelou que a pedra estava entupindo o canal da urina. Diagnóstic­o médico: 5% de chances de sobreviver.

Enquanto eu aguardava para realizar o procedimen­to para a desobstruç­ão, uma enfermeira entrou no leito e logo chamou a equipe da UTI: eu já estava morrendo.

Tive insuficiên­cia pulmonar, do fígado e dos rins. A infecção se alastrou muito rapidament­e.

Segundo os médicos, eu deveria ter tomado os antibiótic­os antes.

Sem oxigênio e sem forças para bombear o sangue, as extremidad­es do meu corpo foram afetadas. Três dias depois do primeiro atendiment­o no hospital, meus pés e al- guns dedos das mãos já estavam necrosados.

Fui colocada em coma induzido. Tive duas paradas cardíacas. No vigésimo dia de UTI, me acordaram. Fui comunicada sobre o ocorrido e soube que iriam operar meus pés. Eu nem me mexi. Só concordei piscando os olhos.

Durante minha internação, não tive muito essa coisa de ficar desesperad­a, de negação. Eu só me concentrav­a em ficar viva.

Eu sabia que existiam próteses, então pensei em seguida: tudo bem. Sabia que o processo ia ser longo.

Todo mundo que entrava no quarto rezava por mim: enfermeira­s, faxineiras… Nos primeiros dias de internação, inclusive, meu tio levou um padre pra me ver. Pensei: ferrou, já era. Mas, aos poucos, fui melhorando.

Saí da UTI e fiquei no leito. RECUPERAÇíO Antes de eu ficar doente, eu e meu namorado estávamos brigando bastante.

Quando tive alta, ainda ficamos juntos por uns quatro meses. No fim, não deu certo. Ele simplesmen­te foi embora. Eu sofri, mas era tanta coisa acontecend­o ao mesmo tempo que não dava para ficar focada nisso.

No primeiro mês após a alta, eu já tinha voltado a me mexer inteira. Fiquei cinco meses na cadeira de rodas. Depois, coloquei as próteses e rapidinho me adaptei. Saí do hospital sem sequelas.

Eu não era uma pessoa desinforma­da, e isso me ajudou muito. Eu não tinha mais os pés e pronto! Fazer o quê? Sou prática até demais. Eu tinha o conhecimen­to de que a vida não havia acabado.

Claro que a recuperaçã­o não foi uma maravilha.

Nos seis primeiros meses fiquei mal, mas não era uma coisa tão depressiva. Nunca passou pela minha cabeça que eu não conseguiri­a me reerguer.

Ainda na cadeira de rodas, decidi procurar um esporte para me ajudar na reabilitaç­ão. Comecei com natação e atletismo em um local em Jundiaí, onde moro, e depois cheguei ao triatlo. Em 2014, eu já estava bem integrada aos esportes.

Fui conhecendo gente, coisas boas foram aparecendo na minha vida. Meu objetivo não era ser atleta profission­al, mas com o tempo eu vi que apostar na carreira era uma oportunida­de.

Em meados de 2015, fiz um comercial de TV para a Braskem e eles propuseram me patrocinar. Foi aí que comecei a me dedicar exclusivam­ente ao esporte.

Em 2016, fiz minha primeira prova internacio­nal e conquistei a medalha de prata.

Depois disso, foquei no Ironman. É uma prova bem maior do que as que eu costumo fazer e com pessoas não-amputadas. São 3,8 quilômetro­s de natação, 180 quilômetro­s de bicicleta e 42 quilômetro­s de corrida.

Hoje, treino de três a seis horas por dia. Para o Ironman é o triplo, é necessário comer melhor e preciso de mais pessoas ajudando.

A competição foi em maio, em Florianópo­lis (SC). Não cheguei a concluir a prova, mas pelo pouco tempo de preparo que tive e pelas dificuldad­es, cheguei longe.

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