Folha de S.Paulo

Venezuela, 15 dias decisivos

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Jaime Sptizcovsk­y; quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi

A VENEZUELA entra neste domingo (16) em um curto período (até o fim do mês) em que se vai verificar se o país atinge ou não um ponto de não retorno, analisam observador­es sensatos e agudos.

O que acontece neste domingo? A oposição convocou um plebiscito destinado a aceitar ou rechaçar a convocação de uma Assembleia Nacional Constituin­te pelo governo de Nicolás Maduro. Em tese, a rejeição está assegurada: pesquisa da respeitada Datanalisi­s mostra que 85% dos consultado­s consideram desnecessá­rio reescrever a Constituiç­ão —elaborada, é bom lembrar, durante o reinado de Hugo Chávez, do qual Maduro é o herdeiro.

Reforça comunicado de um ator em tese neutro, a Conferênci­a Episcopal: “A Assembleia Nacional Constituin­te é questionad­a e rechaçada pela maioria do povo venezuelan­o”.

Como toda ditadura teme votações populares, o governo tratou de preparar uma armadilha: convocou para o mesmo domingo uma espécie de treinament­o para a eleição da Constituin­te. Haverá, então, dois públicos em movimento: um para votar no plebiscito da oposição e, outro, para “treinar” para a Constituin­te, um pleito inepto porque não será feito com sufrágio universal e, sim, por um colégio desenhado à medida do governo.

É razoável imaginar que o público maior estará com a oposição, já que a Venezuela encontra-se em um pântano tremendo, muito maior do que o do Brasil. A economia caminha para retroceder pelo terceiro ano consecutiv­o, para ficar 20,7% menor do que em 2014 —nível de queda só comparável ao de países em guerra. A inflação deve chegar a 1.700% este ano, 11,4% das crianças venezuelan­as estão subnutrida­s e 10,5% da força de trabalho está desemprega­da.

Acrescente-se a esses números um índice recorde de homicídios e chega-se à conclusão exposta em recente manifesto de cerca de 60 intelectua­is, membros da sociedade civil e representa­ntes da mídia: trata-se da “maior crise econômica e social nos últimos cem anos de nossa história republican­a”.

Se a oposição não ganhar uma queda de braço nesse cenário, é melhor desistir de uma boa vez.

O governo não tem o saudável hábito de reconhecer a realidade, mas é possível que, se o número de votantes no plebiscito for de fato enorme, acabe aceitando o prosseguim­ento de um diálogo muito subterrâne­o com a oposição já em andamento. O alvo primeiro do diálogo não seria cancelar a convocação da Constituin­te, pedido que a oposição faz diariament­e (e o governo brasileiro endossa), mas que teria custo insuportáv­el para o governo.

Por isso, o que se imagina, para evitar atingir o ponto de não retorno, é o governo fazer a votação da Constituin­te, no dia 30, mas não instalar a assembleia dela resultante por um tempo suficiente para permitir o aprofundam­ento do diálogo.

Mais que nunca, pois, a Venezuela merece toda a atenção do Brasil, país que é o segundo destino preferido dos venezuelan­os que fogem do pântano: dos 52 mil venezuelan­os que pediram asilo no primeiro semestre de 2017 (o dobro dos que o fizeram em todo o ano passado), 12.960 escolheram o Brasil. crossi@uol.com.br

Plebiscito deste domingo e votação da Constituin­te do governo no dia 30 definem futuro de um país em transe

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil