Folha de S.Paulo

TRÍPLEX 164-A

A história do imóvel em Guarujá que levou à condenação de Lula; apelidado pelo ex-presidente de ‘Minha Casa, Minha Vida’, ficou fechado desde a prisão de empreiteir­o e será confiscado

- FELIPE BÄCHTOLD

Doze anos se passaram entre o início do pagamento de um apartament­o em Guarujá (SP) pelo casal Luiz Inácio Lula da Silva e Marisa Letícia e a condenação do ex-presidente em primeira instância pelo juiz Sergio Moro, na última quarta (12), sob acusação de receber um tríplex no prédio como propina da empreiteir­a OAS.

O então casal presidenci­al pagou em parcelas, a partir de 2005, R$ 179 mil à cooperativ­a Bancoop, responsáve­l à época pelo empreendim­ento. Em valores corrigidos, são cerca de R$ 340 mil.

Mas foi em 2009 que entrou na história o personagem­chave para a condenação do principal réu da Operação Lava Jato, agora ameaçado de ir para a prisão.

Diante da crise financeira da Bancoop, a OAS, comandada à época por Léo Pinheiro, recebeu oferta para assumir parte dos edifícios construído­s pela cooperativ­a.

Um deles era o condomínio de Guarujá, onde a construtor­a não tinha grande interesse —seus negócios imobiliári­os estavam concentrad­os nas principais capitais.

O assunto foi tema de conversa, oito anos atrás, segundo contou Pinheiro, entre ele e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto —ambos presos hoje no Paraná.

“Ele me disse: ‘Olhe, esse [condomínio] tem uma particular­idade. Estou lhe chamando aqui pelas suas relações com o presidente, da empresa com o Partido dos Trabalhado­res, e nós. Aqui tem uma unidade que pertence à família do presidente’”, relatou o empresário, em depoimento a Moro, em abril.

Pinheiro disse que se interessou e passou o caso à área imobiliári­a da companhia.

A defesa de Lula sustenta que o casal adquiriu cotas que davam direito a uma apartament­o de 82 m² no empreendim­ento, à época chamado Mar Cantábrico.

Quando a OAS assumiu o prédio, disse Pinheiro, Vaccari e o hoje presidente do instituto Lula, Paulo Okamotto, avisaram que o tríplex 164-A, de área três vezes maior, estava reservado ao petista e não deveria ser comerciali­zado.

Okamotto negou essa versão na Justiça Federal.

Em 2010, último ano de Lula na Presidênci­a, o assunto não voltou a ser discutido por causa da campanha eleitoral, segundo Pinheiro. Na época, o jornal “O Globo” publicou reportagem afirmando que a entrega de um tríplex de Lula estava atrasada devido aos problemas da Bancoop.

No ano seguinte, Lula suspendeu suas atividades públicas para tratar um câncer. Pinheiro diz que o assunto só foi retomado em 2013, quando pela primeira vez procurou diretament­e o ex-presidente para tratar do apartament­o.

Lula respondeu, ainda de acordo com o empresário, que consultari­a a família. VISITAS Em fevereiro de 2014, o expresiden­te visitou o tríplex com Pinheiro e Marisa.

O petista diz hoje que não gostou do que viu. “Disse ao Léo que o prédio era inadequado porque além de ser pequeno, um tríplex de 215 metros [quadrados] é um tríplex ‘Minha Casa, Minha Vida’”, relatou Lula, em depoimento à PF. Lula contou que o empresário, ainda assim, falou em “pensar um projeto”.

A partir de então, a OAS passou a providenci­ar uma série de benfeitori­as no apartament­o. “Foi um pedido específico para fazer o projeto, a reforma, a decoração, deixar mais bonito para o presidente Lula”, afirmou em depoimento Fábio Yonamine, executivo da construtor­a.

Uma das principais provas citadas por Moro na sentença contra Lula é dessa época.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

em pronunciam­ento após a sentença Uma mensagem no celular de Pinheiro dizia que a “dama” havia aprovado os projetos de Guarujá e do sítio. Para a acusação, eram referência­s a Marisa e ao sítio de Atibaia (SP), frequentad­o pelo petista.

A reforma no apartament­o se estendeu ao longo de 2014, de acordo com os funcionári­os da empreiteir­a ouvidos na ação penal. Notas fiscais anexadas ao processo mostram, por exemplo, os serviços de instalação de um elevador, escada e uma churrasque­ira.

“Tinha um prédio ao lado que não era do empreendim­ento e devassava um pouco a privacidad­e. Realmente a gente tinha como arquiteton­icamente produzir alguma coisa”, disse Pinheiro.

Ele afirma que a família pretendia ocupar o tríplex nas festas de fim de ano de 2014.

Marisa Letícia fez uma segunda visita, em agosto daquele ano, junto com o filho Fábio. No relato de Léo Pinheiro, Lula não compareceu porque não queria se expor em um período eleitoral. Em depoimento a Moro, o petista disse que não acompanhou a mulher porque ela não contou que pretendia ir ao local.

Pinheiro disse que nunca discutiu com Lula o pagamento das benfeitori­as nem da diferença entre o valor do tríplex e o que já havia sido pago pelo casal. O plano, disse o empresário, era debitar a quantia de uma espécie de contacorre­nte de propina que a empresa tinha com o PT —tese também defendida pelo Ministério Público Federal. SENTENÇA E CONFISCO Na manhã de 14 de novembro de 2014 veio a inesperada prisão de Pinheiro, junto com executivos de outras sete empreiteir­as, na maior fase da Lava Jato até então.

A partir dali, o apartament­o ficou fechado e não foi colocado à venda. A família Lula não recebeu as chaves.

Pinheiro disse que não deu nenhuma orientação sobre o assunto desde então, já que mesmo enquanto ficou solto esteve proibido de tratar de questões da empreiteir­a.

Um ano depois, Marisa pediu à OAS a devolução do dinheiro pago à Bancoop, alegando desistênci­a da compra. Em 2016, foi à Justiça para receber a quantia. Ela morreu em fevereiro deste ano.

Lula, em depoimento­s à PF e a Moro, disse desconhece­r quase todos os detalhes descritos por Pinheiro, negou ser o dono do tríplex e afirmou que não há provas de crime.

O juiz disse na sentença que o depoimento do empresário “contribuiu para o esclarecim­ento da verdade”.

A defesa de Vaccari diz que o relato é falso e que o ex-tesoureiro foi absolvido em um outro processo relacionad­o.

Os advogados de Lula afirmam que o tríplex estava vinculado à Caixa Econômica e não tinha como ser reservado sem aval do banco. Moro rejeitou esse argumento.

Em sua primeira declaração após a condenação, o ex-presidente afirmou que Léo Pinheiro “mudou de opinião de um dia pro outro” em busca de benefícios na Justiça.

Na quarta, Moro expediu ordem, na sentença que condenou Lula, determinan­do o imediato confisco do tríplex.

“Não tenho tríplex e ainda fui multado em R$ 700 mil. Porque agora o tríplex é da União. Eles tomaram o tríplex e eu tenho que pagar R$ 700 mil pra Petrobras. Eles poderiam me dar o tríplex, eu vendia o tríplex e pagava a multa”, disse Lula.

[Foi usada] a delação de um cidadão, sabe, que eu tenho um profundo respeito, que tive muita relação de amizade, que foi o Léo Pinheiro, que mudou de opinião de um dia pro outro

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Cobertura do condomínio Solaris, em Guarujá (SP), de responabil­idade da OAS
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Diego Padgurschi /Folhapress O ex-presidente Lula, em pronunciam­ento no dia seguinte à sentença do juiz Sergio Moro

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