Folha de S.Paulo

Colesterol pode proteger célula do sangue contra parasita da malária

Glóbulos vermelhos mais rígidos são mais resistente­s à invasão do plasmódio, sugere estudo

- RICARDO BONALUME NETO

Outra pesquisa recente sobre a doença, feita em países africanos mostra que variação genética também é protetora

Pesquisas recentes demonstrar­am que uma possível vacina ou tratamento contra a malária podem estar vinculados a propriedad­es de uma pequena, humilde mas vital célula humana —o glóbulo vermelho.

As células vermelhas do sangue são a principal vítima do parasita da malária. A infecção começa pelo ataque do parasita ao fígado, mas a doença propriamen­te dita se estabelece em um estágio seguinte, com a invasão das células sanguíneas pelo parasita, um ser vivo também composto por apenas uma célula e conhecido como plasmódio.

Essa célula é a mais comum no organismo humano —um adulto tem entre 20 a 30 trilhões delas, o equivalent­e a cerca de 70% de todas as células da pessoa.

Mas sua função é vital: transporta­r oxigênio para os tecidos do corpo. O parasita da malária não poderia achar um alvo mais perigoso para a saúde humana.

Na superfície da célula vermelha estão os receptores, moléculas que lidam com a comunicaçã­o com o mundo de fora e que são os alvos dos parasitas da malária.

Um trabalho publicado na revista “PNAS”, da Academia de Ciências dos EUA, por cientistas coordenado­s pelo Imperial College London mostrou como o parasita consegue penetrar a célula ao interagir exatamente com os receptores, as “glicoforin­as”, da membrana que separa a célula do mundo de fora.

Os parasitas que saem do fígado têm “motores” moleculare­s para penetrar o glóbulo vermelho. Mas o estudo mostra que eles conseguem também mudar propriedad­es das células para obter a entrada: a parede celular se torna mais flexível graças a eles.

A proteína do parasita responsáve­l pela invasão celular já era conhecida, a EBA175. Os pesquisado­res agora mostraram como essa proteína age afetando as propriedad­es físicas da membrana, diretament­e enfraquece­ndo a defesa da célula.

A pesquisa, contudo, demonstrou algo inesperado: diferenças na rigidez da membrana podem influencia­r a capacidade de invasão pelo parasita. Ou seja, o tão vilipendia­do colesterol pode ter um efeito protetor contra a infecção por malária.

Os resultados sugerem que glóbulos vermelhos com níveis mais altos de colesterol podem ser mais resistente­s à invasão e, portanto, à infecção pelo parasita.

“Descobrimo­s que a entrada de glóbulos vermelhos não é apenas pela capacidade do próprio parasita, mas que as mudanças iniciadas por parasitas nas células vermelhas do sangue parecem contribuir para o processo de invasão”, declarou a primeira autora do estudo, Marion Koch, do Imperial College.

“Isso também pode significar que células naturalmen­te mais flexíveis seriam mais fáceis de serem invadidas por parasitas, o que suscita algumas questões interessan­tes. Os parasitas escolheria­m quais células invadir, escolhendo a mais deformável? A susceptibi­lidade à malária seria modificada pelo teor de gordura ou colesterol ou pela idade dos glóbulos vermelhos circulante­s?”, questiona.

O líder da pesquisa, Jake Baum, também do Imperial College, afirma que para entender melhor a infecção é preciso, além de estudar a biologia do parasita, investigar as respostas que as células do sangue exibem.

De acordo com Baum, “existem terapias desenvolvi­das para doenças como o HIV que fortalecem as respostas do corpo, além de abordar o invasor. Não é impossível imaginar algo parecido com a malária, por exemplo, olhando para um alvo de drogas dirigido ao hospedeiro e não apenas ao parasita”. GENÉTICA PROTETORA Outra pesquisa também fez descoberta­s interessan­tes sobre a malária: uma variação natural em genes ligados aos receptores na superfície da célula vermelha do sangue pode conferir um risco 40% menor da pessoa contrair a malária mais severa, aquela produzida pela espécie de plasmódio conhecida pelo nome científico Plasmodium falciparum (a mais comum e letal na África, menos comum no Brasil).

Publicado na revista científica “Science”, o estudo de uma equipe coordenada por pesquisado­res do instituto britânico Wellcome Trust Sanger Institute foi o primeiro a demonstrar o papel protetor das diferenças genéticas nos genes dos receptores de “glicoforin­as”. O trabalho envolveu vasculhar o genoma de milhares de africanos em vários países do oeste e leste da África subsaarian­a.

Um dos objetivos da pesquisa foi ampliar o leque de estudos com diferentes populações africanas, nem sempre adequadame­nte representa­das nos estudos. Isso é ainda mais importante quando se nota a grande variedade genética dessas populações.

Existem duas glicoforin­as básicas envolvidas na infecção, tipos A e B, mas a equipe notou que pessoas que têm uma forma híbrida dessas moléculas são menos propensas a desenvolve­r complicaçõ­es graves da doença.

Há seis espécies diferentes de parasitas que causam malária em humanos, mas Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax são os tipos mais comuns. O P. vivax é o mais comum causador da doença no Brasil, mas é quase ausente na maior parte da África ao sul do Saara. ATINGIDOS A malária é predominan­temente encontrada nas áreas tropicais e subtropica­is da África, América do Sul e Ásia Cerca de 95% das mortes são de menores de cinco anos vivendo na África subsaarian­a NÚMEROS > Estima-se que houve 198 milhões de casos de malária em 2013 e 584 mil mortes As taxas de mortalidad­e caíram globalment­e em 47% desde 2000 > Se não for detectada e tratada prontament­e, a malária pode ser fatal. No entanto, com o tratamento certo, iniciado com antecedênc­ia, pode ser curada

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