Folha de S.Paulo

Entidades patronais veem redução de ações na Justiça

Sindicatos, por sua vez, temem maior rotativida­de e queda nos salários

- BRUNO BOGHOSSIAN JOANA CUNHA TÁSSIA KASTNER

DE BRASÍLIA

É natural que um governo cambaleant­e queira explorar a aprovação de uma bandeira prioritári­a como a reforma trabalhist­a para vender a imagem de que tem força suficiente para superar a crise política. O fato é positivo para Michel Temer, mas essa tradução não é tão simples como quer o presidente.

Convenient­emente, o presidente ignora o fato de que as mudanças na CLT tinham um apoio que transcendi­a o capital político cada vez menor do Planalto —a começar pelos votos do PSDB, que ameaçava desembarca­r do governo assim que esse texto fosse aprovado.

Os tucanos abraçaram a reforma desde o início, indicaram relatores para o projeto e repetiram inúmeras vezes o compromiss­o de aprovar o texto independen­temente de seu apoio a Temer.

A antítese é clara: 10 dos 11 senadores do PSDB votaram a favor da reforma trabalhist­a, mas Temer seria ingênuo se acreditass­e que essa mesma proporção de deputados tucanos ajudará a derrubar a denúncia por corrupção passiva contra ele na Câmara. O inverso é mais provável.

Transpor o resultado desta terça (11) para o outro lado do Congresso é pura propaganda. A alteração das leis trabalhist­as tinha apoio em massa do empresaria­do, que influencio­u parlamenta­res de partidos que já não caem mais de amores por Temer.

O mercado, aliás, tratava a reforma como pauta imprescind­ível, mas não como salvocondu­to para a sobrevivên­cia do presidente. A aprovação foi interpreta­da apenas como o cumpriment­o de um contrato de compra e venda assinado havia tempos por Temer.

Com 50 votos no Senado, o governo pode alardear ter conquistad­o uma vitória com apoio de 60% do plenário e transmitir sinais de que teria poder para aprovar também a reforma da Previdênci­a, que precisa desse quorum. A trabalhist­a, entretanto, enfrentou muito menos resistênci­a.

Não é trivial que o governo tenha enfrentado um caminho relativame­nte calmo na tramitação do texto. A oposição fez barulho em embates esparsos, mas não houve um adversário real.

Para transpor o resultado da reforma trabalhist­a para o plenário da Câmara, o presidente teria que esquecer que, entre aqueles 513 nomes que vão julgá-lo, há um homem ávido para tomar seu lugar.

Força Sindical afirma que, apesar da ‘derrota anunciada’, ainda há espaço para negociação em medida provisória DE SÃO PAULO

Do lado favorável à aprovação da reforma trabalhist­a, entidades patronais afirmaram que as novas regras modernizam as relações entre empresas e empregados.

Já para sindicatos de trabalhado­res, a mudança representa perda de direitos.

O presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria), Alexandre Furlan, afirma que a “força de lei” aos acordos entre empresas e funcionári­os vai reduzir as disputas na Justiça.

“Não se trata, de forma alguma, de perda ou redução dos direitos assegurado­s e alçados ao patamar constituci­onal”, afirma Furlan.

Para José Pastore, presidente do conselho de emprego de medida provisória cria “uma prorrogaçã­o”.

O fim da contribuiç­ão sindical obrigatóri­a é um dos pontos da reforma trabalhist­a. O governo do presidente Michel Temer sinalizou a sindicalis­tas a possibilid­ade de compensaçã­o por uma MP que regulament­e a contribuiç­ão assistenci­al após negociação dos acordos coletivos.

Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarm­a (sindicato que reúne indústrias farmacêuti­cas), afirma que a entidade se posiciona “fortemente a favor” do fim da contribuiç­ão sindical obrigatóri­a.

“Os sindicatos precisam se manter pelo serviço que levam a seus associados, e não pelas benesses do governo. Temos 302 associados e eles pagam os nossos custos.”

Em pronunciam­ento após a aprovação da proposta, Temer disse que ela ajudará na retomada da geração de empregos e não tirará direitos dos trabalhado­res. “Essa aprovação é uma vitória do Brasil na luta contra o desemprego e na construção de um país mais competitiv­o.” Folha - A principal mudança na reforma trabalhist­a é de prevalênci­a do negociado sobre o legislado. Há quem diga que isso fortalece os sindicatos; outros, que os enfraquece. Qual é a sua posição?

José Dari Krein - Enfraqueci­mento, em razão das alterações estruturai­s [como o aumento do setor de serviços] que levaram à fragmentaç­ão da base do sindicalis­mo.

A reforma vai aprofundar essa fragmentaç­ão, criar mais divisões e menor capacidade de ação coletiva para estabelece­r regras mais favoráveis aos trabalhado­res. O sr. diz que o trabalho intermiten­te aumenta a inseguranç­a do trabalhado­r. Por quê?

A empresa vai te pagar no momento em que precisar de você. Isso é o cúmulo da precarizaç­ão do trabalho. É uma das coisas mais draconiana­s da reforma. Não há nenhuma evidência para dizer que o contrato intermiten­te vai formalizar mais trabalhado­res.

Até onde formalizar, vai ser numa situação absolutame­nte precária. Você muda a estatístic­a, mas não a realidade de vida das pessoas.

A regulação do mercado de trabalho não foi criada para seguir uma lógica apenas econômica, mas para preservar a vida das pessoas e garantir que a relação entre capital e trabalho não seja tão assimétric­a. Tem que atualizar a lei, mas a partir de um princípio de proteção do trabalhado­r. Houve antes alterações tão profundas sobre a CLT?

Nunca houve avanço tão grande sobre os direitos trabalhist­as como agora. Você tem às vezes medidas pontuais, mas essa reforma é uma desconstru­ção completa do nosso código de trabalho. Você vai fragilizar a regulação geral em nome da negociação particular por setores.

O problema é que consumir a força de trabalho, conforme sua necessidad­e, não constrói o país. Isso vai reduzir salários e demanda e criar dificuldad­es para a retomada da economia.

 ?? Walterson Rosa/Frame/Agência O Globo ?? Manifestan­tes fazem protestos contra a aprovação da reforma trabalhist­a em frente ao Congresso Nacional, em Brasília
Walterson Rosa/Frame/Agência O Globo Manifestan­tes fazem protestos contra a aprovação da reforma trabalhist­a em frente ao Congresso Nacional, em Brasília

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