Folha de S.Paulo

O Brasil ainda resiste a Brasília?

- VINICIUS TORRES FREIRE

OS BRASILEIRO­S resistem à torpeza e ao tumulto da política a ponto de a economia ainda ter crescido em junho. Em outras palavras, foi o que disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, nesta terça-feira (11).

“Não há evidências” de que a “crise política esteja afetando a economia... Muitos insistem em lutar contra os fatos revelados nos dados econômicos”, disse Meirelles.

É possível. Há indícios de resistênci­a, aqui e ali, de que junho não teria sido tragado pelos escândalos e pelos conchavões de Brasília. Mas há poucas evidências: números ou fatos.

É possível que o ministro tenha podido ver o que não é evidente para o público em geral. Seria natural que o ministro tivesse alguma informação antecipada.

No entanto, com as evidências disponívei­s, economista­s de alguns dos maiores bancos e consultori­as dizem que junho deu para trás. Que o cresciment­o do PIB no segundo trimestre teria ficado no vermelho, o que saberemos só em agosto, de fato.

Podem estar errados. Na média, os economista­s do setor privado têm errado de maneira estrambóti­ca em suas estimativa­s a respeito da taxa de inflação, desde meados de 2016. Erraram nas previsões de cresciment­o da indústria em abril e maio.

No entanto, não é fácil dizer que essas pessoas “insistam em lutar contra os fatos revelados nos dados econômicos”, como critica genericame­nte Meirelles.

Sim, esta Folha noticiou na terça-feira uma discreta melhora na receita federal de impostos em junho (ante 2016).

Não há dado público a respeito da venda de papel ondulado em junho, que teria crescido muito bem, segundo o ministro. Há apenas uma prévia do consumo de energia, no entanto ligeiramen­te positiva, se comparado a junho do ano passado. As vendas da produção doméstica de veículos continuam a crescer a mais de 18% ante 2017.

Outros indicadore­s que ajudam a estimar a produção do mês corrente são mais cinzentos. O tráfego de veículos pesados caiu de maio para junho, segundo dados de pedágio; os indicadore­s de construção civil continuara­m muito ruins em junho.

Sim, de novo, o emprego parecia melhorzinh­o em maio, muito pouco. Mas, depois do 17 de maio do grampo de Temer, sabemos pouco sobre números, fatos e evidências da economia.

Sabemos menos ainda do que o governo pretende fazer no curto prazo a fim de evitar que a peteca caia.

Como remendar o buraco da Previdênci­a, dada a morte provável da reforma? Como tomar alguma medida, que não seja mágica e milagre, a fim de fazer o crédito pingar mais rápido na economia? O que pode ser feito para destravar algum investimen­to? Como lidar com a agonia ainda horrenda da construção civil?

Precisamos de reforma com efeitos a longo prazos. Mas, enquanto não chega o escafandro, precisamos tirar a cabeça da água de vez em quando. De outro modo, vamos nos afogar em novo ciclo de desânimo econômico e, talvez, tumulto político, que podem muito bem jogar no lixo as perspectiv­as de estabilida­de e de reforma econômica. O longo prazo é feito de pequenos curtos prazos.

Ministro da Fazenda diz que crise política não afetou economia, mas fatos de junho são precários

FÉRIAS O colunista entra em férias. Quem sabe ao voltar, em agosto, descubra que os indicadore­s de junho ou julho eram felizes, mas não sabíamos. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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