Folha de S.Paulo

Na dúvida, a crise

Relatório na CCJ da Câmara defende o afastament­o de Temer; desfecho do caso, que vai depender da política, não garantirá fim da instabilid­ade

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Com o relatório do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), admitindo a abertura de processo criminal contra o presidente da República, dá-se um novo passo no aprofundam­ento de uma crise política que assola o país, de forma intermiten­te, pelo menos desde os primórdios do processo de impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT).

Nesse período turbulento, desperdiça­ram-se diversas oportunida­des de solução pronta e revestida de apoio popular.

A vacância no Palácio do Planalto, antes de cumprida metade do mandato presidenci­al, determina a convocação de novas eleições diretas. Passado esse prazo, a linha sucessória se esgarça em substituto­s sem dúvida regulares do ponto de vista constituci­onal, mas cada vez mais afastados da origem legítima do poder republican­o.

A ascensão de Michel Temer (PMDB) ao poder, como vice-presidente na chapa vitoriosa em 2014, já se dava graças a um processo traumático e polêmico.

Considerad­a, apesar disso, um caminho para a recomposiç­ão do governo e a retomada da economia, tinha a cercá-la um indisfarçá­vel clima de desconfian­ça no plano ético —a qual as escolhas ministeria­is só faziam acentuar.

A agenda de reformas e a expectativ­a de alguma estabilida­de administra­tiva garantiram a Temer ainda a passagem por um importante teste jurídico, quando do julgamento da chapa PT-PMDB no Tribunal Superior Eleitoral.

Mais uma vez, eram fortes os sinais de que tanto o seu partido quanto o de Dilma Rousseff acumulavam um histórico de irregulari­dades que só faziam prever, cedo ou tarde, novas turbulênci­as.

Estas agora se materializ­am, após a revelação da conversa entre Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, cujo teor desperta as mais fortes suspeitas.

Em tese, num processo corriqueir­o, não se equivocari­a o relator do caso na Comissão de Constituiç­ão e Justiça da Câmara ao dizer que, nesta fase, a dúvida convida a tomar-se posição “pro societate”, em favor da sociedade, e não em favor do réu, como se faz no momento de emitir uma sentença.

Todavia, o problema específico de um processo contra o presidente é que sua abertura já acarreta uma forma automática de punição, dificilmen­te reversível —o afastament­o imediato do posto.

A questão será dirimida pela política, incluindo suas práticas menos virtuosas —a contagem febril de votos, a troca de membros da Comissão, os gestos cada vez menos discretos do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PMDB-RJ), sucessor eventual de Temer. A solução da crise, entretanto, não estará garantida por nenhum resultado.

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