Folha de S.Paulo

Jim Carrey explora gênese do stand-up

-

UMA MULHER, um negro, um mexicano, um judeu e uma matrona implacável entram num bar…

A premissa de “I’m Dying Up Here” (algo como “estou morrendo aqui em cima do palco”) poderia servir de mote para a clássica piada ruim americana, mas avança bem além disso.

Ambientada na Los Angeles de 1973, a série que Jim Carrey criou e produziu para o canal Showtime sobre a era de ouro da comédia standup pode ser lida não apenas como um retrato quase burlesco do ambiente dos clubes cômicos, mas também sobre como preconceit­os arraigados são difíceis de quebrar até em um ambiente supostamen­te liberal nos lisérgicos anos 1970.

A estética da época foi bem absorvida nos figurinos psicodélic­os e nos longos planos-sequência que acompanham os personagen­s pelo clube em que se apresentam, um celeiro de nomes bem-sucedidos que dispararam dali para a TV, inspirado no famoso Comedy Cellar, por onde passaram de Richard Pryor a David Letterman.

A dona, Goldie, interpreta­da com vigor por Melissa Leo (oscarizada por sua atuação em “O Vencedor”, de 2010), trata seu elenco de jovens comediante­s com aquele carinho que treinadore­s ucranianos tratam suas ginastas olímpicas.

Inspirada em uma figura real, Mitzi Shore, o papel central que sua Goldie exerce pode ser também comparável aos professore­s durões nos tantos filmes e séries do gênero.

O foco, aqui, não são os astros, mas os comediante­s em formação, e as inquietaçõ­es e dores dessa trupe mal ajambrada —a história do palhaço que faz rir enquanto sua vida é só tristeza— já foram explorados com mais sutileza em outras series (como “Louie”) e filmes (como “O Mundo de Andy”, de Miloš Forman, protagoniz­ado pelo próprio Carrey em 1999, sobre o comediante Andy Kaufmann).

A relação com a fama e a falta dela, escancarad­a já no piloto com a partida brusca de um personagem, também dá estofo ao enredo.

Mas é o humor como ferramenta de transgress­ão e de afirmação o interesse central de Carrey e do cocriador da série, David Flebotte (de “Masters of Sex”, também agora ambientada nos anos 1970). Há, no roteiro, um quê de Christophe­r Hitchens (1949-2011), sarcasmo incluso.

Uma mulher vai ser vista, no palco, além de seu par de seios? Um mexicano poderá contar outro tipo de piada que não sobre ser mexicano? O humor judeu pode existir sem sua incomensur­ável melancolia?

‘I’m Dying Up Here’ segue trupe de comediante­s de stand-up nos anos 1970, época de quebra de tabus

E um negro será respeitado ali em cima, sem ouvir provocaçõe­s racistas que, a julgar por episódios recentes, persistem?

A série estreou nos EUA no início deste mês, e apenas dois episódios haviam ido ao ar quando esta coluna foi escrita. Trata-se claramente de um drama, apesar das notas cômicas (às vezes dolorosame­nte), e a atenção central recai, por ora, sobre a personagem Cassie (Ari Graynor). Não há previsão para exibição no Brasil. ‘I’m Dying Up Here’

 ??  ?? A atriz Ari Graynor faz a personagem Cassie na série ‘I’m Dying Up Here’
A atriz Ari Graynor faz a personagem Cassie na série ‘I’m Dying Up Here’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil