Folha de S.Paulo

Nas eleições gerais de 2015, a direita portuguesa estava coligada, e as esquerdas esta-

- FERNANDA MENA

Portugal criou uma “geringonça” que, ao contrário do que o nome sugere, parece estar funcionand­o bem.

“Geringonça” é o apelido dado à coligação de partidos de esquerda que tem governado o país na contramão das políticas de austeridad­e impostas a Portugal pela troica (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu).

“É o único governo de esquerda da Europa que, de fato, governa à esquerda”, avalia o sociólogo e economista português Boaventura de Sousa Santos, 76, professor da Universida­de de Coimbra e entusiasta do que se tem chamado de “solução portuguesa”, que parece já influencia­r a vizinha Espanha.

Cresciment­o econômico, baixo desemprego e saldo da dívida pública recém-conquistad­os pela “geringonça” têm atraído curiosidad­e dos gigantes da União Europeia, que ventilam levar à chefia do Eurogrupo o ministro das Finanças do país, chamado pelo colega alemão de “Cristiano Ronaldo das finanças”.

Sousa Santos veio ao Brasil falar sobre seu mais recente livro, “A Difícil Democracia” (Boitempo Editorial), no Sa- lão do Livro Político. Na entrevista abaixo, fala sobre a aliança das esquerdas portuguesa­s, os partidos do século 21 e o protagonis­mo do Judiciário na atual crise brasileira. Folha - Como a falta de tensão entre capitalism­o e democracia promove o que o sr. chama de democracia­s de baixa intensidad­e, caso de Portugal e do Brasil?

Boaventura de Sousa Santos - A democracia europeia, que se disseminou pelo mundo, entrava em tensão com o capitalism­o na medida em que adotou direitos sociais e econômicos como universais, o que colide com o impulso da acumulação infinita do capital. Cria-se, assim, um capitalism­o de rosto humano com tributação progressiv­a, gestão compartilh­ada e outras concessões que o capital fez a essa social-democracia para impedir que as classes populares se seduzissem pelo modelo que havia do outro lado do muro. Quando o Muro de Berlim cai, não há mais alternativ­a. E começa um ataque aos direitos sociais e econômicos, que vemos hoje no Brasil, em relação às leis trabalhist­as e previdenci­árias, à saúde e à educação, e que na Europa são impostas pela troica. Como as medidas de austeridad­e impostas pela troica influencia­ram, para o bem ou para o mal, o bom momento que Portugal vive?

A intervençã­o seguia a receita neoliberal: cortes nas despesas de saúde e educação, restrição dos direitos trabalhist­as e privatizaç­ão da Previdênci­a para retomar o cresciment­o econômico. O governo conservado­r que havia em Portugal implemento­u as medidas de forma ainda mais severa que aquela determinad­a pela troica. Portugal entrou em recessão. O desemprego aumentou. Perdemos cerca de 10% do PIB em quatro anos. O desemprego chegou a mais de 15%. O que se tem chamado de “solução portuguesa”? vam divididas, mas decidiram se juntar a partir de convergênc­ias mínimas para não serem governadas pela direita novamente. A agenda era travar as medidas de austeridad­e. O Partido Socialista se uniu ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda e eles se tornaram maioria. E essa coisa extraordin­ária foi apelidada pejorativa­mente de “geringonça”, nomenclatu­ra que passamos a adotar com orgulho.

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