Folha de S.Paulo

Recomeço

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

O governo Temer parece ter perdido a capacidade de governar; é necessário recomeçar

DIZEM QUE Tom Jobim afirmava que o Brasil não é para principian­tes. Adiciono que, além de experiênci­a, o Brasil demanda paciência.

O governo Temer dava mostras de grande capacidade de aprovar no Congresso Nacional as reformas absolutame­nte necessária­s e impopulare­s para pavimentar o caminho da retomada do cresciment­o em bases sustentáve­is.

Tanto a reforma trabalhist­a quanto a reforma da Previdênci­a avançavam no Congresso. A economia, com enorme dificuldad­e, melhorava.

Na quarta-feira (17), foi noticiado que havia uma gravação em que o presidente pedia ao dono do grupo JBS o pagamento de uma mesada ao ex-deputado Eduardo Cunha para comprar seu silêncio.

O áudio divulgado no fim da tarde de quinta-feira (18) mostrou algo distinto: não há tentativa de obstrução da Justiça por parte de Temer, mas há, de fato, crime de prevaricaç­ão. No caso, o presidente foi exposto a comportame­ntos criminosos do empresário e não tomou as ações cabíveis.

O governo parece ter perdido a capacidade de governar. É necessário recomeçar.

O caminho é o presidente renunciar, assumindo interiname­nte a Presidênci­a da República o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que tem 30 dias para promover eleições indiretas. Provavelme­nte o rito da eleição será determinad­o pelo Supremo, visto que a lei que o estabelece, demanda do artigo 81 da Constituiç­ão Federal, não existe.

Há dois caminhos possíveis. No primeiro, constrói-se um novo governo que incorpora todos os setores da política, inclusive a esquerda. A agenda legislativ­a fica parada e mantém-se a equipe econômica que dirige o barco da economia até o fim de 2018.

Outro caminho é a base parlamenta­r de Temer reconstrui­r-se em torno de outro nome que carregará a bandeira das reformas e retomará o processo de onde ele parou na quarta-feira.

Se ocorrer a segunda hipótese, boa parcela da piora de preços de quinta-feira —desvaloriz­ação do câmbio de quase 8% e perda de valor na Bolsa de 9%— será devolvida. E a recuperaçã­o tímida da economia será retomada.

A dúvida é se haverá apoio parlamenta­r para esse recomeço. O começo anterior parecia mais auspicioso aos olhos dos parlamenta­res. A construção do governo Temer ocorreu ao longo do impediment­o da presidente Dilma, dois anos e meio antes das eleições de 2018 e com a expectativ­a de uma recuperaçã­o rápida da economia —erro de cálculo dos políticos, desta vez sem poderem culpar os economista­s.

Desta vez a bomba de quarta-feira passada pode ser desculpa para abandonar o barco e esperar 2018 em “busca da legitimida­de” das urnas. O motivo é que se sabe hoje que a recuperaçã­o será dura e que nada há além da agenda de reformas. Agenda essa cujos ônus aparecem imediatame­nte, e os bônus, somente após alguns anos. Nesse caso, teremos ampla base anódina de sustentaçã­o do próximo presidente, que nada fará.

Ficaremos andando de lado até uma solução eleitoral em 2018, com muita volatilida­de nos mercados e cresciment­o da dívida pública, fato até agora esquecido, mas que passará a ser mais lembrado. SAMUEL PESSÔA,

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