Folha de S.Paulo

ANÁLISE Sem avanço em direitos humanos, Brasil é constrangi­do na ONU

- FERNANDA MENA

Desde a última vez em que foi alvo de uma Revisão Periódica Universal (RPU) no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 2012, o Brasil avançou muito pouco no enfrentame­nto das muitas violações desses direitos.

Na última sexta (5), o país foi submetido a mais uma RPU e teve de prestar contas sobre a situação do Brasil desde as recomendaç­ões de revisões anteriores.

O sistema não envolve sanções, mas a estratégia chamada “naming and shaming”: envergonha­r o país, jogando luz em suas persistent­es violações, para obter uma reação mais efetiva dos Estados, preocupado­s com sua reputação internacio­nal (e a consequênc­ia, para os negócios, dessas mazelas expostas).

Salvo a criação do instituto das audiências de custódia (de uso ainda muito localizado), do Estatuto das Pessoas com Deficiênci­a e do Sistema Nacional de Combate e Pre- venção da Tortura, não há muito o que comemorar.

Desde 2012, aumentaram os homicídios, dos quais o país é recordista mundial com quase 60 mil casos em 2015.

A violência policial seguiu em escalada, com um incremento de 42% das mortes provocadas por policiais civis e militares entre 2012 e 2015 e a exposição internacio­nal de brutalidad­e na repressão de protestos de rua.

Os presídios foram mais abarrotado­s, e somam mais de 654 mil detentos, segundo o Conselho Nacional de Justiça, o que fomenta violações.

O domínio de facções do crime organizado e a carnificin­a que as disputas entre elas provocaram em presídios do país nos últimos anos são a consequênc­ia mais sombria da massa carcerária abandonada à própria sorte.

Na sessão da ONU, a ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, anunciou que o Brasil vai reduzir em 10% a população carcerária até 2019. Trata-se de um compromiss­o tímido, anunciado sem maiores explicaçõe­s.

Nos últimos anos, também emergiu com força a pauta do racismo institucio­nal brasileiro, que expôs a maior vulnerabil­idade dos negros a homicídios, tortura, violência policial e penas mais severas que as de seus pares brancos.

O tópico em que o país mais foi questionad­o foi o das políticas públicas voltadas para povos indígenas. Não é paramenos.Namesmasem­ana em que um ataque a índiosGame­la,noMaranhão,deixou dez feridos, teve início uma CPI (Comissão Parlamenta­r de Inquérito) da Funai-Incra, criada e dominada por deputados ruralistas, que se opõem à demarcação de terras indígenas, já em franca desacelera­ção desde o governo Dilma Rousseff (PT).

O país é signatário de boa parte dos tratados e convenções internacio­nais de direitos humanos. A exemplo do que ocorre internamen­te, com leis e estatutos elaborados à luz das mesmas premissas, boa parte dessas cartilhas nunca se cumpre. A revisão da ONU é o momento em que a distância entre o “de jure” e o “de facto” são colocadas à prova.

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