Folha de S.Paulo

As turmas do Supremo

- JANIO DE FREITAS

A VEZ é do Supremo. Não é sua estreia no processo de degradação dos Poderes a partir das respectiva­s cúpulas. Também não é menos nem mais grave do que os episódios corrosivos que se sucederam no Supremo dos últimos anos.

Em se tratando do Supremo, uma vírgula vadia já é grave. Peculiar nos desgastes do Supremo é que sejam autoinflig­idos, sem depender de ação externa, como se passa entre Legislativ­o e Executivo.

E nas investidas da imprensa contra os dois, pelas transgress­ões em que ambos se completam. Ressalve-se que, desta vez, Gilmar Mendes não está só, como o vimos de uns dois anos para cá.

Substituto de Teori Zavascki como relator dos casos da Lava Jato, Edson Fachin adotou atitude menos por inspiração no antecessor do que à maneira do juiz Sérgio Moro.

Derrotado nos habeas corpus que deram liberdade parcial a três presos de Curitiba, Fachin retirou dos ministros que o venceram o julgamento do habeas pedido por Antonio Palocci, passando-o ao plenário do tribunal. Nisso, o propósito maior talvez seja o de buscar os que tendem a apoiar seus argumentos, negando liberações por excesso de prisão preventiva ou insuficiên­cia de motivos.

Mas na transferên­cia sobressai também a sugestão de vindita, com o agravo aos companheir­os da segunda turma sujeitados a uma acusação implícita, de parcialida­de ou de incompetên­cia.

Tal como a vindita de Moro, que, irritado com o número de testemunha­s de defesa de Lula, “exigiu” a presença do acusado nos 87 depoimento­s. “Exigência” derrotada, aliás, em decisão rara do Tribunal Regional Federal-4 (do Sul), que tem por norma negar os recursos contra atos de Moro tidos como impróprios ou ilegais. A transferên­cia feita por Fachin, porém, não foi irregular. Nem excepciona­l.

A reação ostensiva e rombuda à sua derrota, pelos votos de Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowsk­i, e apoio só de Celso de Mello, foi que deixou no Supremo um rastro deplorável. Tanto mais que, de uma parte, Lewandowsk­i já acompanhar­a Fachin e Celso de Mello já votara contra ele, em habeas precedente­s, assim negando prejulgame­ntos articulado­s.

E, de outra parte, Gilmar Mendes não faltou com sua colaboraçã­o, em reiterados ataques a procurador­es e juízes, com alcance ao relator. O problema se armou, e está armado.

O primeiro efeito da decisão de Fachin recaiu sobre o próprio Supremo. Mais do que pela encrenca em si, pela anomalia que está na sua origem encoberta.

A persistênc­ia de Fachin contra as liberações parciais de presos da Lava Jato vem de entendimen­tos da primeira turma de julgamento, da qual fez parte até passar à segunda para substituir Teori. A possibilid­ade, por exemplo, de habeas corpus para réu já condenado em primeira instância é admitida na segunda turma, a dos ministros citados.

Não pela maioria da primeira, de Marco Aurélio Mello, Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. E assim em outras divergênci­as das duas turmas.

Diz a Constituiç­ão que o Supremo é integrado por 11 ministros. Não por duas turmas de cinco, com um integrante na presidênci­a do tribunal.

Mesmo quando a decisão é unânime, portanto, os cinco votos de uma turma não representa­m a maioria do Supremo. É uma sentença por minoria, até por apenas 3 (a 2) dos 11 juízes que na Constituiç­ão configuram o Supremo.

O contrassen­so, no entanto, continua. Para pior: a sorte e sua falta podem ser mais decisivas para muitos réus do que as altas razões jurídicas. Se o pedido de habeas corpus de um condenado em primeira instância, ou um preso de Sérgio Moro, cair na primeira turma, sua margem de êxito é mínima, se existir. Caso a sorte o entregue à segunda turma, é improvável que não vá a uma pizzaria logo mais. Nos dois casos, diz-se que o Supremo decidiu. Igual injustiça com a sorte e o azar como autores do destino.

E vem muito, muito mais por aí.

Diz a Constituiç­ão que o STF tem 11 ministros. Não duas turmas de cinco, com um na presidênci­a do tribunal

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