Folha de S.Paulo

Erros em índices de alimentos

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

A EIU (Economist Intelligen­ce Unit), divisão de dados da revista “The Economist”, lançou recentemen­te o Índice de Sustentabi­lidade de Alimentos. Patrocinad­o pelo Centro Barilla para Alimentos e Nutrição, o índice é composto por 34 indicadore­s usados para ranquear 25 países em três grandes áreas (perdas e desperdíci­o de alimentos; agricultur­a sustentáve­l; saúde e nutrição). Trata-se de uma iniciativa relevante e inovadora, que chega em boa hora.

Surpreende­ntemente o Brasil foi classifica­do numa das piores posições: 20º lugar. Em sustentabi­lidade da agricultur­a, área em que avançamos mais do que qualquer outro país nos últimos anos, fomos puxados para baixo por indicadore­s conceitual­mente equivocado­s ou de mensuração altamente questionáv­el. A saber:

- Impacto ambiental da agricultur­a na terra: fomos punidos pelo uso elevado de fertilizan­tes e agroquímic­os. Ora, corrigir e adubar solos e combater pragas e doenças deveria dar nota alta, e não baixa, principalm­ente em zona tropical, onde se plantam duas safras por ano. Alta tecnologia, se bem utilizada, aumenta a produção e poupa terra. Nos trópicos, é o que separa quem deu certo e quem fracassou.

- Uso da terra: segundo o indicador, seriam sustentáve­is os países que têm maior área relativa ocupada com produção orgânica. O contrassen­so é evidente: como a produtivid­ade da agricultur­a orgânica é notoriamen­te menor do que a da agricultur­a convencion­al, ela fatalmente acabará demandando maiores extensões de terra, leia-se desmatamen­to adicional, além do impacto do maior custo do alimento final. Aqui não aparece nenhuma referência ao percentual da área de cada país preservada com florestas (onde somos campeões mundiais) ou à obrigatori­edade de manter reservas florestais em cada propriedad­e rural, que só existe no Código Florestal brasileiro.

- Qualidade dos subsídios agrícolas: as políticas protecioni­stas da Europa, do Japão e da Coreia do Sul são muito mais dispendios­as e distorciva­s que as da Austrália, da Argentina e do Brasil. Basta ver os estudos da OCDE ou checar as notificaçõ­es na OMC. Sem comentário­s.

- Diversific­ação do uso da terra: com toda a nossa experiênci­a acumulada na rotação de culturas, na integração lavoura-pecuária e duas a três safras por ano na mesma área, recebemos “nota zero” nesse conceito. Inacreditá­vel terem proposto uma mensuração que não faz sentido algum, e ainda com contas erradas.

- Impacto da produção de rações animais e biocombust­íveis no uso da terra: as teses absurdas desse indicador são: a) as rações servem para produzir proteínas animais (carnes e lácteos), produtos que por definição seriam “insustentá­veis”; b) a bioenergia é ruim para o ambiente porque prejudica a produção de alimentos, independen­temente se ela é feita de milho, cana-de-açúcar ou biomassa.

Na parte de nutrição e saúde, o indicador para “adoção de dietas não saudáveis” é a população do país dividida pelo número total de restaurant­es das cadeias McDonald’s, KFC e Burger King. Basta ver as filas que se formam nesses restaurant­es nas cidades em que o cidadão não acha os alimentos com origem conhecida e o padrão de qualidade e sanidade oferecido por essas redes.

Enfim, não surpreende que o patrocínio de um trabalho com vieses tão claros —como essa visão preconceit­uosa contra proteínas animais— venha de uma das principais empresas que vendem carboidrat­os no mundo, que é líder mundial em macarrão e com significat­iva participaç­ão nos segmentos de pães e biscoitos.

Difícil mesmo é entender por que a área de dados da “Economist” não checou seriamente a pertinênci­a dos indicadore­s propostos ou ao menos abriu o debate sobre esse índice para círculos científico­s fora da Europa.

Indicadore­s equivocado­s deixaram o Brasil em posição ruim em índice de sustentabi­lidade de alimento

MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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